Não sei se comentei que sou uma
pessoa ligada à sonoridade e ao significado das coisas, ou seja, sou uma pessoa
que ama pensar (e escolher, combinar e expressar) palavras. E eu, cá comigo,
tenho minha pequeníssima lista de palavras preferidas. Eram quatro. Uma a uma
acrescentada a tal lista em uma fase específica da vida.
O processo
gestação/parto/maternidade somou à minha vida uma quinta palavra preferida
(vejam que a ordem é pela antiguidade e não tem caráter de importância). Posso dizer que ela veio com o processo todo,
mas foi impressa de fato no momento do parto e vem sendo confirmada dia após
dia desde então, como se a cada mês eu tivesse mais certeza de que ela entrou
na lista pra ficar.
A quinta palavra é a palavra
DELÍCIA.
Dizer a palavra delícia é uma
delícia. Pensá-la também é. Senti-la com toda a força e a beleza do “i” (eu
adoro “i”) dividido pelo deslizar gostoso do som do “s”, que só não está em sua
grafia por um capricho da língua portuguesa. Delícia! O “de” só anuncia a intensidade,
o “a” apenas finaliza suavemente o prazer da palavra perfeita. Delícia!
A palavra perfeita me foi
lembrada no momento perfeito – assim que pari meu filho – pelas pessoas que me
acompanharam. O momento me presenteou com a sensação ao mesmo tempo em que o
nome era repetido, não por uma, mas por duas pessoas. Nunca antes havia
sentido, provado, ou ouvido esta palavra daquela forma, tão plena de
significado. Tudo se encaixou perfeitamente.
Pois bem. Assim identificada
minha nova palavra foi revivida em experiências diversas ligadas à maternidade.
Lembranças do período gestacional me mostraram que ela (a palavra) já estava
comigo há algum tempo, sem que eu a tivesse percebido. Hoje, 6 meses depois do
parto, relembro as maiores delícias de gestar, parir e maternar vividas até
hoje, vamos a elas:
Sentir o bebê se mexendo dentro
da nossa barriga, empurrando, se ajeitando, numa comunicação de vida pulsante e
sem intermediários. Receber os sorrisos, o carinho e a atenção de pessoas
desconhecidas, responder às perguntas das crianças pequenas, encontrar o olhar
doce e a fala nostálgica das outras mães, se deparar com a ternura nos olhos
dos idosos que veem em você o desdobrar da vida. Ser profunda e docemente cuidada pelo mundo.
Experenciar o assombro de parir. O amálgama de sentimentos e sensações
do momento do parto. A sensação de ser capaz de tudo no mundo. O sentimento de
fêmea, de cria, de ninho. O contato com a pele do bebê, de início pegajosa e
escorregadia, depois quente e extremamente macia. O sentimento profundo e
avassalador que sobe das nossas entranhas e transborda pela nossa voz, nossa
boca, nossos orifícios todos, sem medida nem censura. A fusão com o nosso
filhote e o apagar do mundo.
A perfeita biologia dos primeiros
dias pós-parto, que é química, pois se deve a uma descarga hormonal inédita naquele corpo, mas que também é física,
porque corre por dentro, arde e quase
queima de um prazer incomensurável. Que é emocional também, porque deixa
uma saudade sem fim.
Se perder nos olhos dos nossos filhos, na imensidão fluida de seus
primeiros dias e na concretude que chega aos poucos com as primeiras semanas,
quando suas pupilas começam a nos acompanhar. Se perceber na devoção daquele
novo olhar que nos dirigem, olhar de namoro, de conexão, olhar de uma paixão antiga
que se manifestará por tão pouco tempo.
Os sorrisos todos. Os primeiros
espasmos que são os sorrisos que queremos ver. O primeiro sorriso-resposta. A gengiva exposta, ímã de outros
sorrisos. Os sorrisos dos olhos, que se
apertam como peixinhos miúdos e a gargalhada, o sorriso que se faz som, que
explode e inunda seu entorno.
O minúsculo corpo quente ao nosso
lado na cama. O corpo no peito, a pele e a mini mão que encontramos no escuro.
Os dedos dos pés que agarram ao serem tocados. Os primeiros apertões dados por aquelas pequeníssimas mãos no nosso
peito, nossos dedos, nosso rosto.
O modo maravilhoso como fecham os
olhos e abrem a boca aos serem tocados no rosto, procurando sua fonte nutriz. A boca que se abre num quase gozo, como
se perdesse o fôlego de prazer ao sentir a proximidade da gente, uma boca que
não define se quer mamar, rir ou respirar, porque de fato está tudo conectado.
Um rosto que espera ser tocado, olhos que se fecham com ternura e esperam o
beijo, a respiração, a voz, o contato primordial. Como negá-lo?
Amamentar. Sentir-se plugada
àquele outro que, de certa forma, é parte de você. Saber que você é tudo que
ele precisa no mundo e vice-versa. Os olhinhos que se fecham numa hipnose. Os
mesmos olhos, abertos, olhando através dos seus, invadindo cada recôndito do
seu ser. O semblante, quando ele para de
mamar e te observa profundamente. Os
sorrisos que brotam do trinômio boca-peito-olhos como presentes raros e
valiosos.
Quando eles descobrem o mundo e querem pegá-lo inteiro. Cada nova conquista. Mãozinhas
rápidas, olhar atento, novas posturas diante de tudo. Equilíbrio, mobilidade,
intenção. Quando nos agarram e puxam loucamente, principalmente se esse
presente for só nosso, de mais ninguém. Quando descobrem a voz, os pés, o corpo
todo. Quando se descobrem no espelho. Quando descobrem.
Quando aprendemos sobre o amor, o
não controle, os nossos medos e a nossa força. Quando nos perdemos para nos
reconhecer outra. Quando aprendemos,
finalmente, sobre nós mesmas.
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