Sem querer deletei todo o antigo blog. O Quadrante Delta ficou ainda mais perdido no espaço... Através deste novo veículo retorno àquelas paragens. Refaço o caminho, reconheço o trajeto e, embora não possa recuperar o que já está perdido, o quadrante ainda reserva mundos inexplorados. Boa viagem!

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O sistema burocrático de trabalho, a cegueira médica e a minha saúde (ou falta dela).

Tenho uma saúde de ferro. Fora umas questões respiratórias aqui e ali com as quais convivo como boa paulistana eu não tenho queixa de nada quase nunca. Não fico doente, não vou a hospitais e não tomo remédios por anos a fio. Desde a idade adulta febre tinha vindo uma vez, há 15 anos atrás, apenas. Antibiótico tive que tomar após uma mastite insistente no ano passado, após tentar diversas formas não farmacológicas para cuidar da não evolução do quadro. Como acredito que mesmo essas intervenções podem ter seus momentos, quando chegou a hora eu aceitei a medicação.

Mas acredito sim que a saúde tem que ser centrada na saúde, e não na doença. No indivíduo e não no livro médico. Na qualidade de vida e não na privação de vida. No poder dos alimentos e da felicidade e não no das caixinhas de remédios. 

Tenho certeza de que quanto mais remédios nós tomamos mais dependentes ficamos deles. Mais fracos. Mais debilitados. E que isso se propaga para as demais gerações. Nunca fui muito de remédios, mas confesso que anos atrás já estava habituada a acabar de cara com um resfriado antes dele começar, me viciei em um negócio forte para desentupir o nariz e tomava uns analgésicos de vez em quando. A indústria é poderosa, ela fala: "Acabe com a gripe antes dela acabar com você". "Respire melhor!" e coisas do tipo.

Acontece que a doença tem sua função no organismo e quando ela vem é importante deixá-la cumprir seu papel. Ficamos mais fortes quando vivemos e enfrentamos pequenas doenças (físicas ou emocionais) e crescemos quando lidamos com a dor. Na gestação consegui me livrar de qualquer remédio e hoje é fundamental pra mim observar os sinais reais do meu corpo, sem camuflar sintomas. Para lidar com eles em alguns momentos recorro à romã, ao mel, gengibre, inhame e coisas do tipo. Principalmente: acredito no poder de uma boa alimentação, sono e satisfação pessoal nessa equação toda chamada saúde.

Mas o que vim contar aqui foi outra coisa. Uma semana atrás fiquei doente. Descobri enfim o que é uma gripe já que até hoje só tinha passado por resfriados. Nunca havia ficado tão mal. Fui trabalhar achando que minha dor de cabeça era falta de sono apenas, logo percebi que não conseguia me manter nem sentada, quanto mais de pé. Voltei pra casa e dormi, dormi, dormi muito. Eu sabia que meu corpo precisava de repouso, decidi que no outro dia se não acordasse bem não iria trabalhar.

Foi o que eu fiz: faltei. Eu poderia ter ido a um PS pedir um atestado, mas eu sei bem como essas coisas funcionam, você fica lá de 3 a 5 horas, é mal atendido e no fim perdeu o dia que deveria estar descansando. Assumi isso e faltei simplesmente. Eu queria e precisava dormir. Achei que logo melhoraria.

No dia seguinte (sábado) eu estava ainda pior, muita dor e não conseguia descansar como antes. Como Iuri também estava doente eu temi por ele e resolvi que gostaria de passar no PS para descartar qualquer coisa mais grave. Aí começou a saga.

Com Iuri a médica examinou e perguntou. É incrível como eles acham estranhíssimo a gente não medir a temperatura. É incrível como tudo é número e fórmula pra eles. O pulmão e a garganta estavam bem, receitou só um antitérmico que dei ali pra nunca mais. Fiquei tranquila e por isso a primeira visita ao hospital do pequeno valeu a pena.

Comigo já não foi bem assim. O médico nem tocou em mim, resolveu pedir um hemograma. Eu fiz e falei que voltaria no dia seguinte, pois não deixaria meu filho mais duas horas no hospital esperando um exame. 

No domingo me senti melhor deitada pela primeira vez, mas tinha muita fraqueza e enjoo ao levantar. Voltamos para ver o resultado do exame. A médica foi um pouco mais atenciosa, me indicou soro com antiflamatório que aceitei a contragosto. No fim ela me deu um atestado pra segunda pois é uma droga, mas eu não podia mais ficar faltando assim. Falou que eu precisava me hidratar e essa foi a melhor coisa que ouvi.

Segunda fiquei em casa, descansei, comi e tomei líquidos, mas não melhorei. A médica disse que eu poderia voltar se não melhorasse, mas estava sozinha com Iuri, doente, numa noite fria, não fazia sentido eu jogar no lixo meu repouso necessário para pegar condução com uma criança e ir até o PS por causa de um mísero atestado. Resolvi que ia trabalhar na terça.

Terça fui para o trabalho. Iuri estava bem, mas eu não. Senti fraqueza o tempo todo, tive dificuldade de subir as escadas, dificuldade para comer e além de tudo estamos trabalhando no meio de uma obra e ficamos o dia todo sem luz nas lâmpadas, apenas com os computadores ligados no escuro. Na hora do almoço dei uma passada em casa e deitei um pouco. Foi maravilhoso! Como era fácil entender o que meu corpo precisava (e ainda precisa)! Apesar do pequeno descanso o trajeto já acabou comigo e cheguei muito cansada de volta ao trabalho naquele mesmo dia.

Quarta (hoje) resolvi que precisava respeitar o meu corpo e suas necessidades, eu ainda me sentia mal de manhã, por isso decidi ir ao PS de novo. Minha mãe ficou com Iuri para eu poder descansar.

Às 8h eu já estava no PS, eu não queria ir, mas se eu não fosse eu não teria assegurado meu direito de repouso durante a doença. Esse é o sistema de merda que a gente vive, a médica do domingo sabia que ia demorar pra passar e não me deu mais que um dia de atestado. Se eu não volto ao PS tenho que ir trabalhar sem ter condições pra isso, se vou ao PS começa meu martírio:

Quatro horas no PS. Quatro horas que eu deveria estar descansando na minha cama, no meu quarto arejado, me hidratando e me alimentando, aproveitando o momento que eu tinha ajuda com o meu filho, pois a noite talvez ele não me deixasse dormir. A médica resolveu pedir outro hemograma, um raio x e me colocar no soro. Fiquei lá numa cadeira, no porão do hospital, sem janela, sem acesso a telefone e internet, sem travesseiro, sem poder descansar.

Eu só queria meu atestado. Queria meu direito ao descanso. 

Por que eles têm que ter esse poder de dizer ao nosso empregador que a gente pode ou não descansar? Que a gente precisa ou não? E por que eles não deixam a gente descansar simplesmente?

Nenhuma recomendação sobre água, sobre alimentação, sobre repouso, nenhum olhar humano. 

De um lado um empregador que quer padronizar por sistema horas de trabalho sem nenhum olhar individual, nem às funções (mas isso é outro assunto), nem às pessoas. Um empregador que legitima o sistema centrado no médico, no hospital, na doença e na burocracia. Se eu tivesse apoio do meu empregador para descansar, poderia voltar ao trabalho aos poucos, da minha casa, deitando um pouco entre  um e-mail e outro, e voltaria a produzir melhor e mais cedo, sem ter que ficar implorando atestado pra não ser engolida pelo sistema.

Do outro lado um sistema de saúde baseado na doença, hospitais que inventam sempre um milhão de coisas para você não sair daqueles corredores (talvez para ganharem mais dos planos). E te furam, e te medicam, e te mandam pra enfermagem sem explicar nada. Médicos incapazes de olhar para a vida presente no paciente, só veem a doença, só receitam remédios, só te olham através de exames. 

Eu só queria que me permitissem descansar, mas parece que boa parte dos médicos não consegue apenas perceber isso. É uma cegueira, triste cegueira.

Saí de lá no meio do dia. "O atestado é pra amanhã também?" eu pergunto.
 "Não, é só pra hoje." ela diz. 
"E se eu não estiver bem amanhã?" 
"Amanhã você volta"
"Mas aí eu fico presa aqui e não consigo descansar!"
"Você descansa hoje" disse ela depois de roubar metade do meu dia