Sem querer deletei todo o antigo blog. O Quadrante Delta ficou ainda mais perdido no espaço... Através deste novo veículo retorno àquelas paragens. Refaço o caminho, reconheço o trajeto e, embora não possa recuperar o que já está perdido, o quadrante ainda reserva mundos inexplorados. Boa viagem!

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Uma questão linguística


Por que não se conjuga o verbo parir?

Preste bem atenção: com exceção de círculos muito específicos de pessoas, ao se falar de um nascimento a última coisa que ouvimos é que a mulher pariu. Usamos vários substitutos para dizer a mesma coisa.

Normalmente focamos apenas no bebê:
João nasceu esta noite. / Ana chegou com saúde, 50cm e 3 quilos.

Quando falamos da mulher usamos eufemismos esquisitos como
Maria deu à luz Vitória às 6h45 da manhã. /Quando Lia teve bebê a família toda foi visitar. / Joana ganhou neném ontem.

Raramente se fala do parto, mas quando se fala, ele é substantivo, quase nunca verbo.
Lúcia teve parto normal. / O parto de Miriam foi longo e doloroso. / Os partos de Celeste são muito rápidos.

Como se mulher não fosse sujeito de conjugar, sujeito de escolher, sujeito agente.

Como se parir não fosse verbo de ação, verbo forte, daqueles de mudar as coisas.

Querem-nos pra sempre sujeitos pacientes, transformam nosso maior ato em objeto e nos dão verbos fracos, opacos, sem significado. Sujeito paciente só merece verbo de ligação, diz a norma. E o verbo, transformado em objeto, torna-se mais forte que o próprio sujeito, mas se esvanece na falta de ser ação, sua natureza primeira. Todos perdem.

Culturalmente, quando usamos eufemismos para falar de nascimento sem citar o parto, o maior evento da vida da mulher fica escondido. Tentam amansar a experiência, suavizá-la, poetizam o preconceito.

Quando, raramente, ele aparece, é substantivo da voz passiva e quase nunca verbo. A mulher teve parto, mas não pariu. Pariram por ela. A amarraram, constrangeram, anestesiaram e cortaram. Dessa forma, ela não pari, tem um parto mesmo.

O uso corriqueiro das palavras reflete nossa realidade obstétrica. Reflete também nossos preconceitos com a mulher e seu poder de parir já que, mesmo entre as que pariram espontaneamente, o verbo não costuma ser conjugado em voz alta.

Parir é coisa de bicho. É forte e sexual. É poder que o homem não tem.

Ninguém quer mulher com poder, nem com força, nem com sexo.

Dessa forma não lemos o verbo em lugar nenhum, não aprendemos a conjugá-lo, não nos acostumamos a usá-lo. Para escrever este texto fui tirar algumas dúvidas sobre a conjugação correta do verbo parir já que eu também o leio pouco.

Então aí vai, a conjugação que eu queria ver na boca de todo mundo:

Eu pari meu filho e foi maravilhoso
Quando tu parires saberás
Minha avó paria em casa como eu
Nós parimos menos hoje que no passado, mas
Vós parireis e ninguém impedirá.

Porque mulheres parem.