Sem querer deletei todo o antigo blog. O Quadrante Delta ficou ainda mais perdido no espaço... Através deste novo veículo retorno àquelas paragens. Refaço o caminho, reconheço o trajeto e, embora não possa recuperar o que já está perdido, o quadrante ainda reserva mundos inexplorados. Boa viagem!

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Somos Selli

 Em julho de 2022 eu fui para São Paulo e, devido à pandemia, tinha decidido não ver quase ninguém, mais a família mais próxima mesmo. 


Entre as pessoas que eu queria muito ver estava minha avó. Vó Nair, mãe do meu pai. Eu já moro tão longe, já a via tão pouco e a pandemia me obrigou a ficar três anos inteiros sem visitá-la. Em julho faríamos isso. 


A chegada na cidade foi intensa, ainda estávamos em pandemia. Como minha avó tinha tido covid cerca de duas ou três semanas antes e tínhamos outras pessoas vulneráveis na família, achei melhor esperar passar uns 10 dias para marcar a visita. 


Quando fiz isso descobri que ela tinha viajado para o interior e não conseguiria vê-la daquela vez. Mas tudo bem, o importante é que ela estava forte e bem.


Três dias depois ela se sentiu mal, foi internada, e faleceu no dia seguinte. Ela estava com 97 anos. 


O enterro ia ser em Ribeirão Preto, na região onde ela viveu a vida toda e onde está boa parte da minha família paterna. Eu estava em São Paulo, na casa da minha mãe, com os três meninos e sem dirigir. Eram várias coisas pra resolver para conseguir ir e várias coisas para pensar lá, mas senti desde o começo que daria um jeito, que precisava ir, e fomos.


Eu tenho uma coisa com a velhice, quanto mais idosa a pessoa, mais eu me entristeço com a sua partida. Se isso vale até para desconhecidos, gente lá do outro lado do planeta, imagine só para minha avó, faltando menos de 3 anos para o centenário. Imagine ainda para uma avó que cortava manga pra gente comer, fazia um feijão maravilhoso, recebia a gente nas férias, tinha um timbre de voz que era só dela e um sotaque danado do bom de se ouvir. Triste demais. 


Mas não foi só tristeza que eu senti naquele dia. Eu também senti carinho e também senti medo. Não foi só pela Vó Nair que eu quis ir à Ribeirão naquele dia. Eu também quis ir porque me deu um medo grande de nunca mais ver meus tios, nunca mais ver meus primos e os filhos dos meus primos, nunca mais ver os primos e tios de meu pai e toda aquela gente boa de Ribeirão. 


Não me entendam mal, estão todos bem de saúde até onde sei, mas eu achava que a vida de minha avó era o que nos unia e eu moro tão longe agora, como seguiria em contato?


Voltando naquele dia de julho de 2022, eu fui com Miro de carona com minha prima Ana e a Lu levou Dimitri e Iuri no carro dela. Apesar de estar longe há tantos anos da cidade, apesar da situação tão triste, foi marcante para mim o quanto eu me senti em casa assim que cheguei. 


Fui encontrando um tio aqui, outro ali, vendo um primo ou prima que nunca mais tinha visto, recebendo um abraço, compartilhando uma lembrança de infância, encontrando as irmãs de minha avó, os amigos da família… Miro saltou de braços abertos para o colo de meu tio Belinho, que ele nunca tinha visto, e depois para outros colos mais. Ouvi as vozes, senti o carinho e pensei: que capacidade enorme de acolhimento essa família tem! Que presente ter nascido nela, eu, que me sinto desconfortável na maior parte dos lugares que vou.


Sempre fui grata a minha mãe, avós e tios por eles terem mantido contato quando meu pai se foi, nós ainda crianças, e agora, com a partida de minha avó isso se confirmou. 


Eu estou com esse texto no coração há mais de um ano, quando voltei do enterro de minha avó com tantos sentimentos. Só agora consegui terminar de escrever. Foi bom. Se antes eu estava carregada de medo e tristeza de talvez não vê-los mais, hoje as dicas de italiano compartilhadas com minha tia me dão a esperança de que a gente siga se vendo hora ou outra, ou pelo menos se falando às vezes no whatsapp. 


Meus tios e meus primos não sabem ainda, mas eu adoro quando eles mandam áudio no whatsapp, porque ouvir suas vozes e sotaques tem cheiro de bolo quentinho no lanche da tarde na casa da vó. Um pouco da casa da Rua Laguna está na gente, né? 


Obrigada por serem a minha família!