Sem querer deletei todo o antigo blog. O Quadrante Delta ficou ainda mais perdido no espaço... Através deste novo veículo retorno àquelas paragens. Refaço o caminho, reconheço o trajeto e, embora não possa recuperar o que já está perdido, o quadrante ainda reserva mundos inexplorados. Boa viagem!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Por que os museus devem receber também bebês e crianças pequenas?


         
Quando falamos sobre a visitação de bebês e crianças pequenas nos museus e sugerimos ações direcionadas especificamente para esse público, muitas pessoas reagem com surpresa. Alguns com agradecida surpresa, uma vez que já procuravam espaços e ações que levem em conta a participação dos pequenos. Outros demonstram uma surpresa curiosa, enxergando nessas novas práticas um quê de inusitado.

Já me perguntaram algumas vezes: mas por que o museu precisa receber crianças pequenas? Por que os bebês precisam ir aos museus?

Ora, são duas perguntas diferentes, já que uma está centrada na criança e outra na instituição.

O bebê, em si, não "precisa" necessariamente ir ao museu, o que ele e seus cuidadores precisam, é ter essa porta aberta, invariavelmente. Os museus são espaços privilegiados para a criação de sentidos e bebês e crianças pequenas experimentam o tempo todo a criação e elaboração desses sentidos no mundo, junto às pessoas que amam e que são responsáveis por eles.

A formulação de sentidos é exercitada pela criança em todos os espaços que frequenta, da casa dos avós à mesa do restaurante; da água que corre para o ralo ao avião que passa fazendo barulho; do balbucio e primeiros vocábulos às conversas sem palavras, aquelas que estão nas entrelinhas do fazer e do estar.

Pais e cuidadores, por sua vez, buscam lugares onde podem participar das descobertas de suas crianças, lugares que considerem como potenciais descortinadores de sentidos, já que a maioria dos adultos se distanciou da capacidade de buscar (e criar) sentido nas coisas do dia-a-dia.

E que lugares seriam esses? Para muitas pessoas serão os parques, para alguns será o contato com a natureza, para outros os ritos familiares ou religiosos. Alguns vão buscar esses sentidos nos marcos simbólicos de sua cidade, alguns os encontrarão na prática e no contato com a arte e outros nos museus.

Por serem locais privilegiados para a criação de sentidos os museus são espaços perfeitos para esse encontro intergeracional e precisam estar abertos (não só física, mas conceitualmente também) a quem deles quiser desfrutar.

Já me perguntaram também sobre a importância dos bebês frequentarem museus para estabelecerem, desde cedo, o contato com a arte. Mas vejam, os bebês não precisam estar nos museus para terem contato com a arte, pois - como já nos lembrou Anna Marie Holm - eles não separam a arte das outras experiências que vivem, sendo toda experiência física, emocional, cognitiva e também estética.

É claro que o contato com a obra de arte também traz um repertório muito rico para essa criança que descobre o mundo e é portanto positivo, especialmente se o adulto que a acompanha tiver uma ligação afetiva com o objeto artístico.

O que quero ressaltar aqui é a importância das relações humanas envolvidas em uma visita ao museu. Para a criança pequena a grande qualidade dessa experiência é estar junto aos que ama, em um lugar com grande potencial para criação de sentidos - inclusive para os adultos - e poder COMPARTILHAR descobertas e valores.

Através da ocupação do espaço público crianças e adultos compartilham valores específicos daquela família, como a maneira de se colocar e participar, a vivência do coletivo, o encontro com as diferenças, a apropriação do bem comum, o zelo por ele e etc. Por isso é tão rica e importante a presença de grupos familiares na cidade, nas praças, nos parques, nos espaços decisórios e de cultura.

Os museus, como instituições públicas tem o dever não só de preservar, pesquisar e "comunicar" os resultados de suas pesquisas à população, mas de fazerem-se abertos à participação de todos. É importante que essa participação encontre espaço para ser ativa, criativa e crítica, como nos lembra Mauricio Segall, pois o museu também é espaço de cidadania. E é fundamental ainda que nesse "todos" estejam incluídas as crianças, como seres que existem hoje, são reais, criam e interagem, e não como meras promessas para o futuro.

Mais do que isso, quando pensamos em bebês e suas famílias, quando pensamos nas mulheres no puerpério que trazem consigo seus bebês pequenos e tantas outras questões, quando pensamos em mães que amamentam, em pais solteiros, em avós que cuidam de seus netos, nos deparamos com um grupo ainda invisível de cidadãos no que se refere às políticas culturais.

Invisíveis porque foram segregados, há muito tempo e em diversos níveis, do convívio social; excluídos dos encontros entre amigos, da mesa compartilhada nas refeições, dos espaços de cultura e tantos outros. Invisíveis porque ficaram destinados a ambientes extremamente privados e controlados, como nos lembra Laura Gutman. Ambientes onde poderão ficar "protegidos" ou de onde não incomodarão ninguém com seus choros, suas fraldas, suas pequenas mãos sujas e seus movimentos imprevisíveis.

Ainda mais invisíveis quando nos desacostumamos tanto a sua presença que chegamos a ficar surpresos quando encontramos na padaria um pequeno grupo de mães com seus bebês de menos de três meses.

Por tudo isso, os museus, além de serem espaços privilegiados para a criação de sentidos, o reconhecimento identitário, a interação humana e a vivência de valores, também tem o dever - pela sua vocação pública - de olhar atentamente para os grupos invisíveis da nossa sociedade (esse e tantos outros), dialogar com eles, abrir-se para sua presença, sua participação.


Mais do que nunca, é preciso sentar-se no chão, ouvir e acolher.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Da concepção à marcha – 27 meses /27 mitos

Na gestação, parto e maternidade há uma porção de procedimentos afirmados repetidamente pelo senso comum, reforçados pela cultura médica e pela mídia (consumo) que muita gente simplesmente segue, sem parar pra avaliar. Pensando desde a concepção até os 18 meses do bebê, escrevi abaixo sobre 27 mitos desse início de maternidade e proponho apenas que você pare pra pensar sobre eles. No fim, talvez você ainda decida por manter uma, algumas ou muitas dessas escolhas, mas se assim for, que sejam escolhas legítimas suas, pensadas por você, e não o que a prima da vizinha da amiga disse.

1. Filho tem que ser planejado – Nem sempre, conheço famílias maravilhosas de filhos surpresa. Tão maravilhosas que me fizeram repensar a espontaneidade da coisa.
2. Você precisa escolher logo o nome – Mesmo depois que o bebê nascer você ainda tem tempo, horas, dias, até meses pra isso.
3. Você deve saber o sexo, ou como fará o enxoval – Pense diferente, desafie as roupas muito vinculadas a gênero, antes de menino ou menina você terá um bebê. Desafie a família a não saber o sexo. Você mesma não precisa sabê-lo. Já se perguntou por que isso é tão importante pra você? É uma boa pergunta.
4. Ainda é cedo pra falar sobre o parto – Nunca é cedo (ou tarde se o bebê ainda não nasceu) pra falar sobre o parto. O parto é seu, você precisa falar dele.
5. Você vai gastar muito, um bebê precisa de berço, carrinho e um milhão de coisas – Não, ele não precisa. Isso é a cultura do consumo. Seu bebê só vai precisar de vc, umas fraldas e uns panos ao nascer. De verdade!
6.  O médico disse, tá certo. Ele estudou pra isso, ele sabe – Sinto dizer que isso está muito, muito longe da verdade. Se os médicos fossem bem preparados não estaríamos no país campeão de cesarianas.
7.  Você precisa escolher o hospital mais equipado – Na verdade você nem precisa parir num hospital.
8. Você precisa fazer vários ultrassons, especialmente no final da gestação – Se sua gestação estiver normal, não é necessário nenhum US após o segundo morfológico.
9. O quarto tem que estar pronto – Já pensou que um recém nascido não precisa de um quarto? De quem é, afinal, essa necessidade?
10. Você deve obedecer os 40 dias de resguardo – Não. Você pode voltar à vida sexual antes, ou muito depois. Quem decide é você! Quem sente é você.
11. Os primeiros meses são terríveis – Nem sempre. Para algumas famílias não são, e mesmo para quem tem um pós parto difícil as questões envolvidas nesse período variam muito entre uma mulher e outra, uma família e outra. Suas questões podem, por exemplo, não ter nenhuma relação com as cólicas, as fraldas e a privação de sono. O puerpério é uma surpresa.
12. O que importa é que nasceu bem – É claro que isso importa, mas você tem sim, direito de sofrer por um parto que não foi o que você esperava e essa dor é legítima, não deixe ninguém dizer que não.
13. Você vai ser cortada por cima ou por baixo – Isso é conversa de médico desatualizado (infelizmente a maioria). A episiotomia (corte no períneo durante o parto normal) é violenta e desnecessária. A vagina tem toda a força e elasticidade necessária para deixar passar nossos filhos, permanecer íntegra e voltar ao tônus anterior naturalmente.
14. O bebê deve dormir no berço desde a primeira noite – Na verdade ele nem precisa dormir no berço nunca, pode ir da cama do casal à própria cama no chão, nos moldes de um quarto montessoriano, quando for a hora. Você já parou pra pensar que somos os únicos mamíferos que separam os filhotes de suas mães ao nascer?
15. O leite materno não é suficiente – Ele é. Seu bebê estará muito bem nutrido apenas com ele até os seis meses de idade. Não precisa dar água, nem suco, nem papinha. Se tiver dificuldade de amamentação procure ajuda de gente que luta pela causa, infelizmente o mundo atual não apóia a amamentação.
16. Colo demais deixa o bebê mal acostumado – Contato é segurança. O bebê quer a segurança de estar com a mãe, então por que negá-la? Provavelmente seu instinto dirá pra você acolher seu filho, já pensou como é artificial essa recomendação? Bebês que tem bastante colo e atenção crescem mais seguros e confiantes.
17. O bebê deve aprender a dormir sozinho desde cedo – Ele não terá a vida toda pra aprender isso? Por que não pode contar com o acolhimento e ajuda de sua mãe em seus primeiros anos fora da barriga?
18. Ele está fazendo seu peito de chupeta – Na verdade é o contrário né? A chupeta é que tenta substituir o peito, mas sem o colo, sem o calor e sem o amor que podemos dar.
19. Ele está magro/gordo demais, melhor complementar – Assim como existem pessoas magras, pessoas gordas, pessoas altas, pessoas baixas os bebês também não são um modelo matemático. Qual o problema de estar abaixo da curva? Outros sinais podem dizer se seu filho está bem como urina, fezes, atividade, interação, etc,  dependendo da idade dele.
20. Bebês precisam de mamadeiras – Não, eles precisam é do peito. Quando estiverem com outro cuidador podem tomar seu leite em um pequeno copo, ou em uma colherinha. Nenhum bebê precisa de mamadeira.
21. Bebês precisam tomar leite artificial ou de vaca – O leite materno é melhor e responsável por boa parte dos nutrientes de uma criança até os dois anos de idade, pois é feito pra ela e muda conforme ela cresce. O único que precisa de leite de vaca é o bezerro, pelos mesmos motivos.
22. Você precisa de um carrinho – Nos primeiros meses do bebê ele ficará muito melhor no colo ou no sling, além de ser mais fácil e compacto. Depois depende muito de cada família, alguns acham bem útil, outros não. Mas por que comprar algo tão caro antes do nascimento sem nem saber se vocês vão querer usar?
23.  Bebês precisam comer papinhas – Comida é cultura familiar. Quando o bebê começa a experimentar outros alimentos ele pode começar com pedaços grandes de legumes cozidos, que ele mesmo pode segurar. Se a comida da família for saudável ele logo poderá comer as mesmas coisas. E por que não seria?
24.  Ele vai ficar com vontade se você não der um pouquinho do seu chocolate pra ele – Você faria a mesma coisa com a cerveja?
25. Meninos precisam cortar o cabelo – Ter filhos é uma boa oportunidade para questionar os padrões de gênero. Por que cortamos o cabelo dos meninos e colocamos brinco nas meninas?
26. Não saia de casa sem vacinas – Criança que mama no peito está bastante protegida. Tomando alguns cuidados não há porque não sair com eles ou cobri-los de picadas nos primeiros meses.
27. Fraldas de pano dão muito trabalho – Na verdade, com máquina de lavar em casa, as fraldas de pano contemporâneas dão menos trabalho do que sair para comprar as descartáveis. Além de serem mais sustentáveis, baratas, saudáveis e bonitas.

Por fim, ao pensar nas coisas das quais "o bebê precisa", pense se é realmente ele que precisa. Ou se é o adulto que criou essa necessidade. Pode ser muito mais simples do que você imagina ;-)