Sem querer deletei todo o antigo blog. O Quadrante Delta ficou ainda mais perdido no espaço... Através deste novo veículo retorno àquelas paragens. Refaço o caminho, reconheço o trajeto e, embora não possa recuperar o que já está perdido, o quadrante ainda reserva mundos inexplorados. Boa viagem!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

RELATO DA NOITE EM QUE PARI IURI


É com prazer que divido com quem quiser ler o relato da noite em que pari Iuri. É um relato gigante gente, pois além do que senti e pensei no momento, também tentei colocar o que aconteceu (com base em informações posteriores dos queridos que me acompanharam) e algumas reflexões a respeito do processo todo e como ele me transformou. Assim, quem preferir uma versão light, ocitocinada e menos precisa dos fatos sigam direto até o fim deste texto, onde encontrarão o link para o Relato Rápido Parto Iuri. Neste caso gostaria que lessem (também no final deste texto) os agradecimentos, que não estão no outro relato.

OS PRIMEIROS SINAIS

   Segunda-feira dia 05/11, foi meu aniversário e foi um dia muito especial. Eu tinha completado 39 semanas no sábado dia 03/11 e parei de trabalhar imaginando que o bebê ainda ia demorar uma ou duas semanas e eu teria uns diazinhos de descanso e concentração pré-parto. Na yoga a Kátia fez minha despedida de barriga e eu pensava que ainda assistiria mais 2 ou 3 aulas depois (engano nosso, rs). Depois da aula fomos comer uma pizza com nossos queridos Rafa, Dinho e Gabriel e na volta pra casa ainda tiramos umas fotos com a barriga de nove meses e o lindo desenho da Kátia. Conversei um pouco na internet e fui dormir feliz, tinha sido um aniversário ótimo.
   Às 5h45 do dia 06/11 levanto pra fazer xixi e tenho um sangramento muito parecido com menstruação. Uma parte de mim achava que não era nada, outra, razoável, achava que podia ser algum sinal de que o parto se aproximava, mas não era nenhum dos que eu esperava (não era a saída do tampão, não era a bolsa, não eram as contrações) e ficou me azucrinando uma partezinha de mim que achava que podia ser alguma coisa errada, então resolvi ligar pra Marília, nossa doula.
   Ela perguntou algumas coisas e disse que poderia ser algum sinal, bem de leve, mas que precisaríamos observar. Disse pra eu aguardar que ela me ligaria depois de uma hora pra saber. Na segunda ligação contei a ela que o sangramento havia sido pontual, que parecia que tinha parado e ela nos orientou a descansar e mais tarde, depois das 9h, informar a Betina, nossa médica, para que ela ficasse a par.
   Depois de um tempo consegui dormir de novo, o Val foi trabalhar e acabou voltando com o café da manhã, pra ver como eu estava. Às 10h levantei e liguei pra Betina. Mesmo nesse horário percebi que a tinha acordado e fiquei envergonhada, sabia que há umas duas semanas pelo menos ela estava tendo praticamente um parto por dia e devia estar muito cansada. Ela perguntou se eu estava tendo contrações e eu disse que não, apenas uma coliquinha como a menstrual no pé da barriga, tão leve que era quase imperceptível e ela falou pra tocar a vida normal.
   Uma coisa me preocupava mais que tudo: da lista de itens para o parto domiciliar, faltavam os cueiros. Eles estavam com minha sogra para fazer a bainha e eu não sabia se estariam prontos ainda na terça. Pedi ao Val que foi almoçar lá que trouxesse de volta, mesmo se não tivesse pronto, que eu ia fazer aqui! Eu (louca!) pensava: “E se a Betina resolver me mandar pro hospital, só por causa dos cueiros?”
   Bem, a manhã passou lentamente, de vez em quando eu percebia uma borrinha no absorvente. Dei almoço pro Uther, nosso dogue alemão, e ele estava surpreendentemente calmo. O Val não conseguiu trazer os cueiros, mas garantiu que os pegaria prontos e lavados às 17h, quando voltasse do trabalho. Durante a tarde eu estava na dúvida se algo realmente ia começar, achava que talvez no outro dia à noite... Assisti TV, lavei e fiz a bainha nas fraldas Cremer que faltavam. Aquela coliquinha passou a ser “chatinha”, como eu sentia na menstruação e então eu percebi que ela ia e vinha, mas não sentia nada diferente disso.
   Falei mais uma vez com a Marília à tarde, era terça-feira, dia da minha aula de inglês, e eu pensava em, se nada mudasse, ir para a aula, já que o trabalho de parto ainda podia demorar dias. Marília sugeriu que eu não fosse à aula, que aproveitasse para fazer alguma coisa bem gostosa com o Val, pois podia ser nossa última noite a dois. Gostei da sugestão do cinema e quando o Val chegou às 18h (com os cueiros, ufa!) sugeri o programa e ele topou.
   Procuramos um filme, não queríamos dormir muito tarde, pois pensávamos que seria fundamental descansar naquela noite. Escolhemos o novo filme do 007 num shopping da Mooca. A essa altura as cólicas passaram a ser doloridas, um pouco mais do que me lembrava dos períodos menstruais, iam e vinham, mas continuavam no mesmo lugar: no pé da barriga. Hoje penso que meu trabalho de parto engrenou nesse final de tarde, por volta das 18h, quando as cólicas pareceram mais ritmadas e começaram a incomodar, mas na hora eu não achava que era isso.
   Durante o filme (muito bom por sinal) as cólicas ficaram mais ritmadas e bem mais doloridas. Lembro que eu apertava a mão do Val cada vez que uma chegava, e elas vinham devagar, aumentavam até um pico e reduziam, eram as tais das ondas. Poderiam ser as contrações, mas era uma dor no pé da barriga, eu não sentia nada puxando, nenhuma dor nas costas como achava que deveria ser.
   Consegui assistir o filme todo e depois fomos pra casa. As cólicas/contrações continuavam. Pensei: vou tomar um banho porque pode ser falso trabalho de parto e se for vai passar. Achei bom nessa hora ligar pra Marília antes que ela dormisse e avisar como estava, vai que eu precisasse chamá-la no meio da noite? Contei a ela sobre as contrações e como eram, disse que estavam doendo bem, mas nada demais, pois eu conseguia continuar conversando durante elas e que meus planos eram os de tomar um banho e tentar dormir, pois achava que podia engrenar no dia seguinte e estava muito preocupada em estar descansada quando isso acontecesse.
   Ela perguntou se eu havia contado as contrações e disse que não, pois não queria ficar ansiosa, e depois o banho poderia acalmar tudo. Eu pensava que, se eu estivesse errada e o trabalho de parto tivesse realmente começado, não faria diferença contar as contrações, pois em algum momento elas iam ficar fortes e não ia mais ter jeito de negá-las. (Pois é... Foi o que ocorreu!)
   Bem, no fim a Marília me convenceu a tomar um banho bem gostoso e demorado, tentar relaxar e depois contar as contrações por meia hora e avisá-la do resultado. Fiquei um pouco contrariada, pois se ficasse meia hora contando as contrações eu ia dormir meia hora mais tarde, e eu queria dormir logo. Mas tudo bem. Eu ainda achava que o banho ia cessar as contrações ou espaçá-las.

TUDO COMEÇA MUITO RÁPIDO

   Meia hora depois, por volta da meia noite saí do banho e o Val começou a me ajudar a contar as contrações. As dores continuavam no mesmíssimo ponto no pé da barriga, mas qual não foi a minha surpresa ao perceber que de repente ficaram muito mais fortes e frequentes! Em meia hora foram 8 contrações, os intervalos bem irregulares, mas curtos, variando entre 1 e 4 minutos, com cerca de 30 e 40 segundos de duração.
   Mandamos o resultado pra Marília por mensagem e ela respondeu pra avisar a Betina para que ela ficasse a par, nessa hora já era quase 1h da manhã. Eu já estava morrendo de dor nas contrações e não quis mais saber de telefone, passei pro Val a incumbência de fazer todos os contatos com as duas desse ponto em diante.
   Até aqui ele ainda estava tentando arrumar umas coisas na casa para o parto (pois eu nunca achava que a casa estava pronta o suficiente e ficava pedindo pra ele fazer coisas), mas nessa hora percebemos que não dava mais pra ele sair do meu lado.
   Eu lembrava do “teatrinho” que a Betina fez pra gente no consultório, encenando pra ele como eu deveria reagir às contrações e em que momento ele deveria chamá-la. Lembro que era quando as contrações fossem intensas e com intervalos de 3 minutos, que eu não conseguiria falar mais durante as dores e que precisaria procurar posições diferentes para suportá-las.
   Foi engraçado ver a cena no consultório, mas no dia mesmo foi tudo muito rápido. Quando eu percebi já estava doendo muito e o tempo em que as dores se intensificaram foi curto demais para que eu me adaptasse a elas. O fato é que eu achava que todo esse começo ia durar muito mais tempo, e acho que elas (Marília e Betina) também achavam. Hoje imagino que talvez desde às 18h (ou antes) eu estivesse nessa fase latente e que o que aconteceu é que eu não acreditei que tinha começado.
   Por volta das 1h quando o Val tentou falar com a Betina e não conseguiu (ele deixou recado) eu já não encontrava posição pra ficar durante as contrações. Lembrei que diziam que andar é bom e andei, e assim apoiava na parede a cada contração. Uma vez tentei apoiar no Val, mas ele não sabia me segurar, eu não sabia explicar e não foi bom. Tentei agachar, mas não era bom, aquela dor era muito estranha, eu ainda estava esperando a dor na lombar que todo mundo falava, mas o que doía e cada vez mais forte era o pé da barriga, bem lá dentro, bem lá no fundo. Era como uma cólica menstrual mega vitaminada.
   Resolvi deitar e ver se aguentaria melhor a dor. Fiquei deitada de lado por algumas poucas contrações. Em determinado momento senti um estalo forte e em seguida saiu todo o líquido. A bolsa tinha estourado. A sensação é engraçada, é bastante líquido mesmo. Eu chamei o Val falando: “Vem aqui que tá vazando!” Ele passou por mim e foi até o banheiro e ficou procurando onde estava vazando, até hoje dou risada quando me lembro da cena. E eu falei: “Não! Sou eu que estou vazando! A bolsa estourou!”. Eu estava na cama deitada sobre um edredon dobrado que, por sorte, absorveu todo o líquido, mantendo o colchão seco. Logo que levantei fui olhar o líquido (morria de medo de mecônio) mas ele estava bem clarinho.
   O Val avisou a Maríia, avisou a Betina mas eu não acompanhei essas conversas. Ele me disse que elas falaram para que acompanhássemos por cerca de uma hora o desenrolar do trabalho de parto. A bolsa tinha estourado às 1h20 da manhã, logo depois notei a saída do tampão e algumas contrações depois eu pedi pra ele ligar o computador e entrar na lista da noveluas, pois queria avisar as meninas que tinha começado (Sim, agora eu tinha me convencido disso!) e pedir que torcessem por mim.
   A mensagem foi enviada à lista às 1h50. É importante dizer que depois desse momento eu perdi bem a noção do tempo durante o trabalho de parto, tanto que o relato curto que escrevi está assim, sem tempo nenhum. Pra este texto usei informações que o Val e a Marília me deram depois sobre os tempos e mais os registros das ligações no celular, fotos e dessa mensagem que postei na lista. Na hora você não tem noção de quanto dura cada coisa, e é bom que seja assim, mas depois que passou achei que seria bom saber um pouco dos tempos para escrever pra vocês, pois eu quando lia relatos antes do meu parto, gostava de saber das durações de cada etapa. Assim, vou tentar colocar aqui como foi, se essa noção é precisa ou não e como me pareceu na hora, ok?


   Bem, após postar a mensagem na lista, certa de que estava na fase ativa há algum tempo, ainda tentei encontrar posições para suportar as contrações. Mas a intensidade da dor saltou de novo e logo o único lugar que eu conseguia ficar era ajoelhada no pé da cama. A cada contração eu me inclinava pra frente, apoiava na cama (coloquei algumas almofadas) e tentava esperar ela passar, tentei respirar devagar como havia treinado com os exercícios da Kátia na yoga, mas não conseguia, quando a dor vinha era mais forte que minha concentração e eu perdia o fôlego.
   Eu estava perdendo um muco sangrento que ia pingando no chão durante as contrações, por sorte meu piso é frio e fácil de limpar. As dores pioraram e logo eu precisava gritar. Não conseguia respirar direito, percebi que meus gritos eram agudos e sofridos (não aqueles guturais que vemos nos relatos) e sabia que isso não era bom sinal, percebi que eu começava a entrar num caminho de desespero. Eu não tinha medo da dor, mas tinha medo de não suportá-la, e nessa hora tive um grande medo de ter medo.
   O Val não conseguia me ajudar, talvez eu não o estivesse deixando fazer isso, não sei. Mas ele me olhava com aquele olhar impotente de quem, se pudesse, estaria no meu lugar. Tinha um pouco de pena nesse olhar e isso não me ajudava. Deve ser difícil mesmo, talvez mais difícil pra eles que pra nós, pois não podem fazer muita coisa, têm que deixar rolar, porque o parto é da mulher, por mais que outros apoiem e esse apoio seja fundamental.
   Eu também percebia que precisava me por nos eixos ou ia perder totalmente o controle, tentei dizer isso pra mim mesma, tentei me ajudar sozinha, mas estava muito difícil mesmo. Talvez se eu estivesse realmente sozinha eu tivesse dado um jeito, não sei, mas naquele momento eu só pensava uma coisa: “Cadê a Marília???” pois sabia que ela ia conseguir me ajudar. Ainda não tinha passado aquela uma hora de observação do TP que o Val tinha combinado com as duas, mas é lógico que para mim isso não existia, não havia tempo, só havia dor, um pouco de medo, e tudo acontecendo muito rápido, muito mais rápido do que eu conseguia lidar. Virei pra ele e falei “Chama a Marília agora!”

A CHEGADA DA MARÍLIA E A RETOMADA DO PARTO

   Ele chamou (a mensagem está registrada às 2h16 da manhã) e ela veio em seguida, mas é lógico, moramos em São Paulo, não moramos tão perto, tudo demora um pouco. Pra mim, esse pouco pareceu uma eternidade!
   Quando a Marília chegou me encontrou ajoelhada no pé da cama onde eu estava há um bom tempo. Eu a abracei, acho que me pendurei nela, precisava muito de ajuda. Ela me observou, disse que ia contar um pouco as contrações, lembro dela e do Val tentando mexer com cronômetro e celulares, não parecia muito fácil. Ela se preocupou com meu joelho (eu não estava nem aí pra ele), sugeriu que eu fosse pra cima da cama, forramos e tentei a mesma posição apoiando na bola, mas não deu certo.
   Ela também percebeu que meu grito estava agudo, desesperado e me ajudou a me concentrar, a vocalizar melhor, a encontrar o grito certo, que vinha lá debaixo, mais grave, mais forte, e eu diria que, em alguns momentos, mais feroz. Foi ela que me pôs nos eixos e esse momento valeu mais que qualquer outro, que qualquer palavra, que qualquer massagem aroma ou música. Foi a hora em que ela me ajudou a retomar as rédeas do meu parto. E assim eu consegui seguir, daqui pra frente ativa e não passiva, até o nascimento do meu filho.
   Em algum momento, quando chegou, ela também tentou fazer uma massagem nas minhas costas, eu não quis, isso me irritou um pouco, na verdade. Não sentia nada nas costas! Até então estava esperando sentir a tal dor na lombar, sentir a barriga contraindo, sentir a dor que vinha lá de trás e nada. Só aquela dor lancinante no pé da minha barriga, tão funda que não dava pra alcançar, não dava pra fazer massagem (como eu queria que a massagem no sacro que vimos nos livros e encontros servisse pra alguma coisa naquela hora!). A contração não era nada do que eu tinha imaginado! Falei pra Marília, ela disse que era assim mesmo, que cada mulher sentia de um jeito. Ela então esquentou a bolsa de sementes que tinha trazido e eu coloquei na minha barriga. Isso sim foi muito bom, ajudou. Mas as dores continuavam bem intensas.


   A Marília também tentou organizar o ambiente, por um aroma, pegar as coisas dela, mas estava difícil, pois meus intervalos entre as contrações eram muito curtos já. Lembro que ela tentou por algum som, alguma música. Não tenho certeza, mas acho que eu fui meio grossa nessa hora, não queria barulho nenhum!
   É muito engraçado o como a gente imagina o parto e como ele de fato acontece. Me lembro muito da Betina falando no consultório (e me quebrando as pernas, abalando minhas convicções): “Pra que você quer fazer um plano de algo que você não faz ideia de como vai ser?” Não que eu tenha idealizado demais o parto, nunca fiz roteiros, tentava não imaginar demais, mas um pouco a gente sempre imagina né?
   Bem, tenho umas fotos desse período com a Marília no quarto que marcam 3h30 da madrugada. (Falei que ia tentar passar pra vocês os tempos, dentro do possível). Fato é que isso não demorou muito, logo a Marília sugeriu que fôssemos para o chuveiro. Lá no chuveiro tentei sentar num banquinho, mas não dava, não conseguia suportar as contrações sentada e logo me ajoelhei no chão de novo. A Marília querida, sempre preocupada com o meu bem estar, pegou uma toalha para eu ajoelhar em cima, para preservar meus joelhos.

O CHUVEIRO, A LAGARTIXA, E UM MAR DE PENSAMENTOS

   O alívio com a água quente foi imediato. As contrações não diminuíram, mas eu conseguia lidar melhor com elas agora. Logo eu me assustei com um movimento repentino perto do meu pé: era uma lagartixa, ela correu pra debaixo do banquinho lá ficou, até o Iuri nascer. Foi minha companheirinha de trabalho de parto! Aguentou todos os meus gritos. Uma pena mesmo não a termos fotografado. Gosto muito de lagartixas e ter ela lá do meu lado só me fazia bem.
   Assim, ficamos no chuveiro. Quer dizer: eu e a lagartixa no chuveiro e a Marília sentada no vaso ao meu lado. O chuveiro me deu o tempo que eu precisava para aprender a lidar com as contrações antes delas piorarem. O período que fiquei no chuveiro com a Marília, antes da Betina chegar, me pareceu o mais longo e intenso de todos. Foi o momento em que eu pensei mais (várias coisas passaram pela minha cabeça), que me senti mais ativa e ao mesmo tempo mais exausta.
   Durante cada contração eu me dobrava pra frente (ou pra trás às vezes) e gritava. O grito já era forte, grave, me ajudava a enfrentar a dor. Quando parava a contração eu me recostava na parede e descansava, mas parecia que nunca dava pra descansar o suficiente, eu ficava cada vez mais cansada, me faltava ar, me dava sede. O Val fez um suco doce pra mim e eu fiquei com a caneca ao meu lado, quando eu queria mais esticava a caneca para fora do box e a Marília enchia pra mim. 
   Eu estava de pouquíssimas palavras, mas pensava muito. Lembro de que me perguntava em que momento eu iria entrar na “partolândia”. Eu estava esperando aquele estado de consciência alterado do qual todos os relatos falam, todas as doulas falam, mas parecia que ele não vinha. Eu achava mesmo que em algum momento eu ia ficar muito louca, mas fiquei consciente o tempo todo. Hoje pensando no modo como perdi a noção do tempo (justo eu que sempre acerto os horários sem precisar de relógio) e observando a minha expressão em algumas fotos e vídeo eu acho que tive sim, de certa forma, minha passagem pela partolândia, mas foi uma partolândia extremamente consciente, acho que nunca perdi minha conexão com o presente.
   Lembrava da Kátia falando que boa parte do parto acontece na cabeça da gente e daquela coisa que “mulher cabeçuda tem parto cabeçudo”, e acho que eu já esperava que meu parto pudesse ser um pouco assim, porque eu sou um pouco assim também. Lembrava muito da Betina e da Marília terem me falado da importância da entrega, de se entregar ao processo, de deixar a natureza agir.
   Eu bem que tentei, mas não conseguia me entregar totalmente. Não no conceito de entrega que eu tenho, que era de deixar rolar, deixar a dor vir e fazer seu trabalho. Percebi logo que isso não era pra mim, que eu IA REAGIR de alguma forma, e que se eu não ajudasse a contração, eu ia acabar atrapalhando sua eficácia. Então, o único jeito de eu não bloquear aquelas contrações pela dor que me causavam era trabalhar junto com elas. Foi aí que comecei a mentalizar o colo do meu útero se abrindo e a cada contração eu dizia mentalmente “Abre, abre, abre, abre” e era como se eu ajudasse a empurrá-lo, a abri-lo. Isso pode não ter feito diferença nenhuma no avanço físico do meu trabalho de parto (nunca saberemos), mas com certeza fez muita diferença na minha cabeça e no modo como eu lidei com a dor.
   Pensei ainda outras coisas nesse período. Em um momento questionei a mim mesma porque eu estava fazendo aquilo. Pensei que eu podia simplesmente ter o meu filho no hospital que nem todo mundo e pronto, pra que passar pelo parto natural? Por um breve momento pareceu tudo sem sentido, afinal o que eu queria era ser mãe. Mas logo meu racional veio me lembrar que não era só isso, que eu queria sim passar pela experiência do parto, que era importante pra mim, que eu havia esperado nove meses pra isso, pra saber como seria, como eu ia lidar com a experiência, como ela me transformaria. Eu queria tanto o parto quanto eu queria o filho e ele estava acontecendo ali, naquele momento, eu estava em casa como eu queria e estava tudo bem. Eu não podia deixar ele passar. Embora em nenhum momento eu tenha pensado em pedir anestesia ou em ir para o hospital nessa hora eu quase desvalorizei o meu parto, mas esse desânimo passou logo e não voltou mais. Me senti ativa de novo.
   Em determinado momento quando eu estava lidando bem com as contrações elas deram um salto de intensidade de novo. Ficaram bem mais fortes, e mais longas, com intervalos cada vez mais curtos. Eu lembro que falei pra Marília: “Está piorando” E ela respondeu: “É assim mesmo, vai piorar mais, você sabia.” Isso era incrível na Marília, ela não me dava o que eu queria, me dava o que eu precisava. Seria muito fácil pra mim em vários momentos cair numa onda de autopiedade. A Marília não tinha pena de mim e não deixava espaço para que eu também tivesse. Ao contrário, sentia que ela confiava que eu podia fazer aquilo, ela dizia que eu estava indo bem e se não dissesse eu saberia, pois sentia isso no modo como me olhava. Ela não quis diminuir a minha dor, ao contrário ela sabia que aquele era o meu processo, que eu queria e precisava passar por ele.
   Também lembro que em vários momentos no chuveiro eu tive medo de não conseguir chegar até o final. Eu sou ansiosa, do tipo que sofre por antecipação. O engraçado é que eu sempre achava que não ia conseguir dali meia hora, dali uma hora, dali três horas... Em nenhum momento eu cheguei ao meu limite mesmo e achei que eu não conseguiria mais. Em nenhum momento pedi pra parar (ou tomar anestesia). Era como se sempre conseguisse passar aquela contração, mas se me perguntassem não poderia garantir as próximas. Hoje penso que é uma coisa a ser trabalhada por quem quer parir: lembrar de passar uma contração por vez, sem pensar muito nas próximas horas. Assim, uma por vez, quando a gente vê já está no expulsivo.
   Esse meu receio de não aguentar até o final tem relação com o fato de que por mais que eu tivesse perdido a noção do tempo, não a havia perdido tanto assim. Se eu fiquei, entre entrar no chuveiro e a Betina chegar cerca de 1h30 (pelo que a Marília me falou depois) eu até achava que tinham sido umas 3 horas, mas sabia que não eram 8. Assim, sabendo que não tinham passado muitas horas, e sem conhecer meu limite de dor, meu medo era de que por mais intenso que tudo parecesse, eu ainda estivesse no começo, mas não foi isso que aconteceu.
   Eu fiquei extremamente cansada, chegou um momento que eu torcia para que viesse um intervalo maiorzinho, de uns 5 minutos, pra que eu pudesse descansar. Os intervalos já eram tão curtos que eu nem podia mudar muito a posição para o descanso, ou não voltava a tempo para a posição da contração. Eu costumava sentar no chão nos intervalos (sair de cima dos joelhos). Teve uma vez que, exausta, deitei metade do corpo para fora do Box e acho que até cochilei. O problema é que não voltei a tempo para a posição de joelhos e quando a contração seguinte veio foi dificílimo suportá-la, o que me fez desistir totalmente de deitar nos intervalos.
   As contrações continuaram a se intensificar. Até que eu comecei a não ficar bem apenas ajoelhada, tinha que ficar de quatro. Às vezes até abaixava um pouco a cabeça e levantava o quadril. Nessa hora eu já estava “vendo estrelas” de tanta dor, tive vontade de bater com a cabeça na parede, mas não bati, apenas apoiava a cabeça no canto da parede e empurrava com força enquanto continuava a imaginar meu colo se abrindo. Tenho a impressão que nessa fase meu grito ficou mais feroz e menos cantado. Como a Marília diz, eu estava ficando “bem brava”. Em uma das dores mais intensas estendi minha mão pra fora do box procurando um apoio, a Marília a pegou na hora e acho que apertei bem a mão dela.
   Chegou um momento no qual a Marília me perguntou se eu estava com vontade de fazer força. Eu não estava, mas gostei de ouvir a pergunta. Ela queria dizer que alguma coisa na minha reação indicava que eu poderia estar perto do final. Perguntei quando poderíamos usar a banheira, ela disse que era melhor esperarmos a Betina chegar, pois ela me examinaria. Não é bom entrar na banheira muito cedo, pois pode atrapalhar o andamento do trabalho de parto.

A BETINA CHEGOU! E EU PARINDO...

   Um tempo depois ela me avisa que a Betina tinha chegado. Lembro direitinho da chegada dela, lembro de ouvir o Uther, nosso cachorro, latindo o que queria dizer que ela estava vindo pelo quintal. Lembro de ouvir o barulho dela entrando em casa e passando pelo corredor ao lado do banheiro, até entrar. Acho que eu esperava que ela entrasse e viesse correndo me ver, me abraçar, sei lá, afinal era eu que estava de quatro no chão do banheiro morrendo de dor. Ao invés disso ela entra na maior calma do mundo, a vejo abraçando a Marília e trocando poucas palavras com ela (e eu lá, de quatro) e depois vem em minha direção, me olha sorrindo com a maior tranquilidade do mundo e diz: “E aí? Tá parindo?”
   Na hora isso me pareceu tão banal, tão pouca coisa. Puxa, eu estava passando tudo aquilo, pra mim era muita coisa! Eu não gostei muito de ouvir assim, tão simples, tão natural, tão de todo dia – lembrem-se: eu tava um bocado brava e muito cansada.
   Essa primeira frase nunca me saiu da cabeça, e não sei se foram as dores que me faziam achar tudo muito feio ou os hormônios do parto que me fizeram achar tudo muito lindo, mas no dia seguinte já a achava uma pergunta linda, um jeito lindo de se cumprimentar alguém.
   Ora, o parto é mesmo uma coisa natural e cotidiana na história da humanidade. As mulheres fazem isso há milênios. O fato de aquela estar sendo pra mim a experiência mais forte já vivida não significava que não fosse simples e natural. Eu estava bem, estava tudo bem, era apenas um trabalho de parto, eu apenas estava sentindo a dor comum do trabalho de parto. Não tinha motivo algum pra ela, como médica, vir correndo me acudir. Acudir do que afinal? Não havia doença nem emergência nenhuma.  Assim, de novo, foi me dado não o que eu queria, mas o que eu precisava. Não precisava de pena nem de socorro. Eu não era vítima, era apenas uma mulher parindo, e aquelas duas mulheres lindas que estavam ali comigo sabiam e acreditavam nisso, acreditavam muito no processo e acreditaram em mim.
   As contrações não me deram muito tempo para pensar, logo veio mais uma. Me preparei e fomos (eu e a contração) praquele lugar no universo paralelo das contrações. Confesso que nessa primeira contração que eu tive logo que a Betina chegou eu senti vergonha de gritar daquele jeito na frente dela (com a Marília eu já tinha acostumado, foi ela que me ensinou a gritar), mas a vergonha passou rapidinho, afinal eu tinha que fazer isso, e sabia que ela estava acostumada.


   Ela me examinou, não lembro o que foi primeiro, o exame de toque ou os batimentos cardíacos do bebê. Terminado o exame de toque eu me acerto de novo e pergunto pra Betina: “E aí? Como está???” EU SABIA QUE ELA NÃO IA DIZER. “Como está? Tá ótimo!”. Alguns segundos e eu tentando decifrar a frase, a expressão no rosto dela, qualquer coisa! Afff! Aí a Marília pergunta: “Já podemos montar a banheira?” e ouço a Betina responder algo do tipo: “Nem monta, que não vai dar tempo.” Aha! Enfim uma informação palpável! Não vai dar tempo! Quer dizer que estávamos adiantados! Ele ia nascer logo! Foi a melhor coisa que ouvi naquela noite, por mais que eu quisesse usar aquela banheira!
   Nesse meio de conversa também tenho a impressão de ter ouvido a Betina falar alguma coisa sobre “rebordo de colo” mas é tudo meio nebuloso, posso ter sonhado. Depois a Marília e o Val disseram que já durante o exame ela disse que o bebê já estava embaixo. Mas eu não tinha ouvido nada.
   A Betina pediu ajuda do Val para tirar as coisas do carro e eu comentei com a Marília que minha vagina estava ardendo. Ela respondeu que era assim mesmo e que eu me preparasse, pois a próxima contração deveria ser bem mais dolorida, por causa do exame de toque. Eu estava tão feliz! Pensei “Pode deixar, ela pode vir!” Me preparei e, como a estava esperando, monstruosa, ela nem foi tão ruim assim.
   Eles demoraram um pouco pra voltar. Só depois vi que a Betina traz uma batelada de coisa, tubo de oxigênio e o escambau, mas na hora não vi nada, ainda bem. Enquanto isso as contrações ficavam mais fortes e um pouco diferentes. Eu estava de quatro. Não sentia vontade de fazer força, mas já sentia uma certa pressão sobre o reto.
   Pelo que a Marília me falou depois, a Betina chegou em casa por volta das 5h, pela impressão do Val foi antes, mas ele não tem certeza de nada. Lá pelas 5h30 ela ouviu os batimentos cardíacos do bebê mais uma vez. Eu estava de quatro olhando para fora e lembro da Betina perguntando se eu ficasse com a bunda virada pro outro lado, quem iria pegar o bebê? Foi outra coisa gostosa de ouvir! “Meu bebê estava chegando! Opa! Vamos lá! Como eu tenho que ficar?” Eu pensei. Ela sugeriu que tentássemos a banqueta de cócoras e lá fui eu sentar no banquinho vazado debaixo do chuveiro.

O EXPULSIVO

   A Betina sentou-se na toalha que estava no chão na minha frente. Senti meu ânimo mudando. De repente me sentia totalmente acordada, mais disposta e corajosa. As contrações ficaram diferentes, eram bem fortes, mas era muito mais força que dor e o espaço entre elas aumentou tanto (ou foi a minha disposição que aumentou) que eu cheguei a pensar: “Cadê a próxima contração? Não vem nunca?”
   A banqueta no começo pareceu meio incômoda, durante as contrações não tinha onde apoiar direito e assim, quando veio uma das bem fortes estendi minhas duas mãos pra frente, na procura por mãos que me dessem força. Encontrei as mãos da Betina, que senti meio surpresas, meio sem jeito, por terem sido requisitadas tão repentinamente assim. Mesmo assim apertei com força, e foi essencial tê-las encontrado ali.
   Na hora achei que tinha apertado forte demais, já que logo em seguida a Betina sugeriu que o Val entrasse no chuveiro e se sentasse atrás de mim para me apoiar e me dar as mãos. “Puxa, acho que a Betina não gostou mesmo de segurar minhas mãos, rapidinho ela arrumou um substituto!” pensou a louca em pleno expulsivo. Mas depois pensei: “É lógico sua imbecil! Ela é a obstetra, e se ela estivesse com as mãos ocupadas segurando as minhas quem é que ia pegar o bebê?”
   O Val pegou o banquinho que tinha servido de mesa pro meu suco e abrigo pra nossa amiga lagartixa (que continuava lá) e sentou-se atrás de mim. Ficamos bem juntinhos, eu no meio das suas pernas segurando nas suas mãos. Eu concentrada no meu trabalho e ele conectado a mim. A Betina me examinou de novo e falou pra eu colocar a mão que poderia sentir o bebê. Coloquei a mão e, menos de um dedo pra dentro da minha vagina senti algo. “Sentiu?” A Betina perguntou. “Senti uma coisa redonda.” Eu disse, meio sem querer acreditar. “É a cabeça dele!” disse a Betina. Eu sorri, o Val sorriu, parecia que o mundo estava sorrindo. Faltava pouco, tínhamos um trabalho a terminar.


   Eu sabia que só acabaria quando terminasse, que muita gente trava no expulsivo, que ainda não estava feito. Entretanto, apesar desses pensamentos não me deixarem achar que o jogo estava ganho, eu estava bem otimista. Perceber que ela ouvia o coraçãozinho dele cada vez mais pra baixo no meu ventre também me animava e tudo ia bem.
   Foram várias contrações com o Val atrás de mim. Ele reclamou de uma goteira de água fria e eu pensei “Não acredito que, tudo isso acontecendo, todas essas contrações, e ele reclamando de uns pinguinhos gelados!” Eu ainda estava brava, mas acho que não disse nada, era como se tivesse que guardar energia para o meu trabalho, o meu parto.
   Em algum momento o próprio chuveiro me irritou, pois eu tinha que desviar dele ou ia beber água durante as contrações. Mudamos para o chuveirinho e a Betina ficou molhando minha barriga, minhas pernas, nos mantendo aquecidos.

EMPURRAR OU DEIXAR ROLAR?

   Não sei como é para as outras mulheres, mas para mim as contrações do período expulsivo foram muito menos doloridas que as do período de dilatação. Entre uma e outra perguntei pra Betina o que deveria fazer. Ela respondeu: “Olha, você pode fazer duas coisas: você pode não fazer nada, só deixar ele vir, ou você pode fazer força” Falei que achava que não conseguiria não fazer nada, era como na fase ativa, não conseguiria simplesmente me entregar, sentia que se não ajudasse ativamente meu corpo, ia me contrair e atrapalhar seu trabalho. Ela disse que tudo bem, que pra algumas mulheres funciona mais fazer força, podia ser assim comigo. E lá fui eu, empurrando a cada contração. Não senti o bebê descendo pelo canal como imaginei que sentiria, mas o fato foi que ele desceu, e bem!
   Quando vi lá estava a Betina com um espelhinho. Era pra gente olhar o Iuri chegando. No começo eu não conseguia ver nada, o ângulo ruim, e eu não conseguia olhar durante a contração, estava concentrada ainda em suportar a dor e fazer o meu menino descer. Como nessa etapa ele desce um pouco e sobe um pouquinho depois, quando eu conseguia olhar ele tinha subido de novo.
   Eu comecei a ficar ansiosa com esse vai e vem. Uma hora ele apareceu um pouquinho e sumiu. Emoção, decepção, alegria, cansaço, medo de não conseguir, tudo ao mesmo tempo. Minha irmã havia me contado (mais de uma vez) de uma mulher cujo bebê coroou e voltou e ela não conseguiu parir. É lógico que me lembrei disso. Por que as pessoas adoram contar histórias de partos que deram errado? Alguém me responde? Aí quando ele finalmente começou a sair, meu receio era de que ele voltasse. Está até no vídeo, eu perguntando se ele ia voltar.

O CÍRCULO DE FOGO E DOIS PLOFTS

   Quando ele apontou de vez senti tudo esticando, tudo ardendo, e lembrei do epi-no. Ah então era assim o tal círculo de fogo? Nome bem apropriado! A Betina sugeriu que eu fosse devagar, pra proteger o períneo, não consegui. Quando achei que não tinha mais pra onde esticar, esticou mais e esticou mais ainda. Não conseguia ir devagar, pensei “Vai lacerar!” “Que se dane, quero que nasça!” Estava com medo que ele voltasse, estava cansada, não queria passar por mais nenhuma contração, ao contrário das contrações anteriores, nessa consegui emendar várias forças, veio um fôlego não sei da onde e “ploft”, a cabecinha saiu! Iuri saiu olhando pra trás “como manda o figurino” e logo ele girou.
   Eu pensava que teria que esperar outra contração para sair os ombros, mas a Betina me incentivou e logo veio mais um “ploft”, saíram os ombros e eu logo busquei meu filho das mãos da Betina, trazendo-o pra mim. Lembro perfeitamente da sensação de tocar sua pele, tão lisa, deslizante, cheia de vérnix. Quando o puxo pra mim percebo que alguma coisa o segura, a Betina ainda tentava desenroscar da perninha dele o cordão enquanto eu, afoita, o puxava. Quando percebi colaborei e ele logo estava nos meus braços, no meu peito, inteirinho, pertinho, olhos abertos, uma pessoinha que tinha acabado de sair de mim! Eu só tinha olhos pra ele. O Val nos abraçava e chorava. A lagartixa continuava lá, após ter presenciado a cena mais linda do mundo. Ao menos do meu mundo.


   Escuto a Marília falando algo do tipo: “Ah e o parto da Paula foi tão fácil, né Betina?” Minha parcela de fúria ainda não tinha sido totalmente suplantada pelo êxtase que estava sentindo e se manifestou uma última vez. Pensei: “Fácil? Como assim fácil? Não foi nem um pouco fácil pra mim!” Mas não disse nada, estava muito ocupada olhando meus olhinhos preferidos. Só dias depois contei pra ela desse meu pensamento.
Iuri veio ao mundo às 6h10, junto com o amanhecer que, por algum mistério do mundo, é uma das minhas três palavras favoritas. Assistindo ao vídeo do Iuri nascendo vi que o cordão que a Betina desenroscava da sua perna estava no seu pescoço e que ela foi desenroscando enquanto ele nascia. Vi também, com alegria, algo que não lembrava com tanta nitidez: sabia que o tinha pego logo, mas não que quando o peguei metade do seu corpinho ainda estava dentro de mim. Foi tão lindo! É incrível pensar que se a Betina não estivesse ali, ele não ia cair no chão, pois eu o teria puxado.



UM DEPOIS LINDO E TRANQUILO

   Depois de parar de gritar feito uma louca pela emoção que estava sentindo perguntei se ele estava bem (mas eu sentia que estava) e enquanto elas respondiam que ele estava ótimo ele chorou. Elas foram arrumar a cama e nos deixaram lá, os três, nós dois namorando nosso filhinho no meu peito.
   Depois a Betina volta e vemos se o cordão parou de pulsar para cortá-lo. Ela pede fio dental, pega o que está na pia, mas ao puxá-lo percebe que acabou. Pergunta se tem mais. Lembro que na minha necessaire que estava na mala da maternidade (Ufa, não precisamos mesmo usar! Que delícia desfazê-la!) tem um. Ela amarra o cordão com o fio dental e oferece o bisturi pro Val cortar o cordão. Ele o faz, separando pra sempre meu bebê de mim. Agora ele já era do mundo, e só me restava amá-lo.
   Algumas fotos depois com meu bebezinho nos braços a Betina o leva para o quarto para colocar a fraldinha e ensina o Val a usar o cueiro. Voltando, ela e dá uma puxadinha no cordão e a placenta sai, inteirinha. Senti que já estava solta, só escorregou pra fora de mim. Olho pra ela curiosa no canto do box, “Ah, então é assim...”. Bem, saída a placenta e o bebê, eu não aguentava mais ficar naquela banqueta. Queria levantar logo, mas minhas pernas estavam um pouco bambas ainda, e esperei alguém vir pra me ajudar. Levanto e tomo um bom banho, lavo o meu cabelo, mas não me demoro, pois quero pegar meu bebê de novo.
   Minha lembrança da Betina ao meu lado nessas horinhas após o parto são de grande ternura. Me senti muito cuidada, mais nessa hora até que durante o parto, não sei se porque tínhamos mais tempo, se porque meu trabalho estava feito e eu pensava com mais clareza, ou se porque já tinha passado minha braveza. A Betina me ajudou com o banho, me ajudou a me secar, me ajudou com aqueles absorventes gigantes do pós-parto, a enrolar a toalha no cabelo e ir até o quarto, onde a cama já estava arrumada esperando por mim.
   Lá ela me examinou e constatou que eu realmente não tinha tido laceração nenhuma no períneo. Lembro com carinho das duas ao meu lado na cama, o Iuri no meu colo e elas ensinando sobre a amamentação. Não conseguimos porque o pequeno estava de fato sem fome nenhuma, mas aqueles momentos ali, com o meu serzinho no peito, entre essas duas mulheres incríveis foram de uma plenitude sem tamanho. Pra deixar tudo mais maravilhoso ainda o Val chega e nos traz pão de queijo fresquinho, que ele tinha acabado de buscar na padaria.
   É, eu estava com uma fome de leoa, a Marília até me ofereceu uma barrinha, (linda, sempre preocupada com meu bem estar) mas dava pra esperar o Val voltar com o café. Levanto pra me vestir e todos querem me ajudar em tudo: “Onde está a calcinha? E a roupa?” “Quer que traga o café aqui?” Me senti presenteada com tanto carinho, mas eu me sentia ótima e fiz questão de ir até a cozinha tomar café junto com todo mundo, na mesa, comemorando a chegada do nosso Iuri.
   Conversamos e comemos felizes, bebê no colo, toda a disposição do mundo! Que noite incrível! Que pessoas incríveis! Que experiência maravilhosa! Acho que queria que elas não fossem embora nunca mais... Tiramos fotos. Grande time: eu, nosso Iuri, Val, Marília e Betina.
   Fomos (agora em três) levá-las até o portão. Ainda lembro da Betina comentando que nem toda mulher, depois de parir, leva a equipe até a porta. Mas eu estava tão feliz, tão disposta, tão pronta pra tudo! Queria andar com meu bebê.
   E assim elas foram embora e acho que nem as abracei direito nesse dia. Ao me despedir, olhei de relance o monte de tralhas médicas que não usamos. Obrigada Universo por ter me dado o parto que eu poderia cumprir e pessoas que permitiram que eu o fizesse!



OBS: Em casa bem mais tarde depois de ter descansado pergunto ao Val: “Onde estão os panos de chão que usamos no parto? Precisa lavar”. E ele: “Já tá tudo lavado secando no varal.” E eu: “Nossa, você fez tudo isso já? Como você é eficiente!” e ele: “Eu não, foi aquela faxineira cara que você arrumou, a Dona Betina.”

AGRADECIMENTOS

Tornam-se especiais na nossa vida pessoas que nos fazem crescer, ou participam desses momentos. Nessa minha trajetória em busca de um parto uma maternidade melhores me tornei mais mulher, mais segura, mais dona do meu corpo e de minhas escolhas, consegui abrir mão de planejar todas as horas do meu dia e aprendi a aceitar que não controlamos muita coisa nessa vida. Aprendi muito sobre um monte de coisas e mais ainda sobre mim mesma.  O parto foi o ápice desta transformação, deste crescimento e só tenho a agradecer a quem participou disso:

Meu amor, companheiro e amigo Val que chorou quando eu, depois de tantos anos juntos, contei a ele que desejava ser mãe. Que me engravidou (essa parte é muito importante!). Que encarou todo o caminho comigo, pesquisando informações e respeitando minhas escolhas. Que aguentou minhas inúmeras mudanças de humor entre a gestação e o pós-parto, e que, acima de tudo, me amou e amou nosso filho desde que as duas listinhas apareceram no teste de farmácia.

Ao meu filho Iuri que, apesar das minhas inseguranças durante a gestação, sempre fez a parte dele direitinho virando, descendo e encaixando, me dando mais e mais força para que eu também fizesse a minha parte, fazendo nosso parto mais lindo e muito mais fácil do que eu esperava. Obrigada também por permitir-me ser sua mãe e me inundar de um amor tão grande.

À querida Kátia, muito mais que instrutora de yoga, que cuidou de mim com tanto carinho durante toda a gestação, que me ensinou a respirar, a me indagar, a pesquisar mais, que cuidou do meu corpo e ouviu meus medos. Que me olhava com compreensão, ternura e força e que me abriu as portas de um mundo especial do qual não quero mais sair.

À querida Marília, amiga sumida de tanto tempo, que reaparece na forma mais especial que uma gestante pode encontrar: a de doula. Obrigada por questionar e se indignar comigo, por me ver de um jeito que eu acho que eu não tinha me visto, por estar presente nos momentos em que me permiti chorar (na gestação) e gritar (durante o trabalho de parto). Por me colocar nos eixos na hora da dor e permitir que eu retomasse as rédeas do meu parto. Por acreditar em mim e não me deixar sentir pena de mim mesma. Pela firmeza e doçura com que cuidou de mim todo o tempo.

À Betina, médica querida e especial, que me olhava com aquele olhar impenetrável durante as consultas, esperando que eu falasse, e eu sempre demorava a falar, não sei porque. Que, nessas mesmas consultas, mexeu com as minhas convicções sobre o parto e que mais de uma vez me fez sair de lá pensando sobre mim mesma. Que permitiu que eu parisse meu filho em casa, como eu queria, quando vários outros já abandonaram o parto domiciliar. Por toda a simplicidade, ternura e humildade com que faz seu trabalho, sendo a médica que senta no chão, segura na mão da gente, ajuda com o banho, arruma a bagunça e não se importa se não vai mostrar nada dos seus conhecimentos médicos naquele dia, simplesmente porque o parto fluiu bem, sem emergência nenhuma, como fluiu o nosso.

Quanto mais eu penso mais eu admiro essas pessoas e agradeço por tê-las encontrado. Obrigada!


Texto iniciado dia 9/11 (dois dias após o parto) e terminado dia 7/12. Em ambos os dias estava acordada na mesma hora do nascimento, emocionada pela lembrança. A mesma coisa aconteceu e acontece ainda em outros dias, por vezes com lágrimas. Daquela noite incrível trago ainda no meu corpo uma bacia que estala e um joelho resecado pelas horas que passei ajoelhada, além de um menino lindo que ilumina minha vida todos os dias.

Para quem se interessar seguem os outros links:

Relato do pós parto – Os sentimentos de uma puérpera - http://quadrantedelta.blogspot.com.br/2012/11/amor-liquido.html

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Relato Rápido Parto Iuri - Fresco de Ocitocina!


Segue abaixo um breve, corrido, fresco e ocitocinado relato do parto do Iuri escrito 18 horas após o nascimento. Sem tanta precisão mas com a emoção ainda à flor da pele.

Na terça às 5h45 eu tive um sangramento, parecido com menstruação, avisei
Marília e Betina que falaram pra eu tocar a vida normal. A única coisa que senti
até às 18h foi uma coliquinha tipo menstrual. De manhã era quase imperceptível,
depois de umas horas passou a ser "chatinha" mas não dolorida e aí percebi que
ela ia e vinha.

Seguindo a sugestão da Marília eu e o marido fomos ao cinema à noite e durante
essa saída as cólicas começaram a ficar levemente doloridas, mas conseguia
andar, falar, ver o filme. Pensei: Será?

Parecia que estavam vindo periodicamente mas não quis contar pra não ficar
ansiosa. Resolvi tomar um banho na volta pra casa para ver se paravam.

Depois do banho por volta da meia noite elas apertaram bem. O intervalo era
irregular mas ficava entre 2 e 5 minutos, as vezes menos e duravam de 30 a 40
segundos. Muito rápido eu comecei a não conseguir mais falar durante as
contrações e passei pro marido toda a responsabilidade de contatos com Marilia,
Betina e o que mais fosse preciso.

Tentei andar, tentei sentar, tentei deitar, tentei cócoras, mas nada era bom. Me
acertei ajoelhada no chão no pé da cama onde fiquei (acho) algumas horas até a
Marília chegar. Por várias vezes perdi a calma, me apavorei, não conseguia
respirar, gritava um grito agudo que sabia que não era bom sinal, não estava
conseguindo me concentrar. O marido bem que tentou mas não conseguia me ajudar.
Pedi pra chamar a Marília, pra ela vir logo. Sabia que era só o começo e isso me
assustava, precisava que alguém me colocasse nos eixos.

Agora sei que ela veio logo, mas na hora parecia uma eternidade. Ela chegou e
foi me acalmando dentro do possível. Tentamos a bola mas não me adaptei. Logo
fomos pro chuveiro. Tentei sentar num banquinho mas não gostei, de novo fiquei
ajoelhada no chão do box (permaneci de joelho toda a fase das contrações)

A água ajudou muito, conseguia me concentrar mais, vocalizar melhor, pensava no
colo se abrindo e gritava (coitados dos vizinhos que são uns amores, hj já
conheceram o Iuri e disseram que ficaram torcendo esperando ouvir seu chorinho).

Ao passo que eu conseguia melhorar a concentração as contrações pioravam,
ficavam mais fortes e longas e eu tinha que reaprender, me adaptar. Várias vezes
parecia que não ia aguentar muito mais tempo. Me senti bem cansada.

Não sei quanto tempo fiquei nessa. Não sabia qto faltava. Esperávamos a Betina
para saber o andamento. Quando ela chegou me examinou e disse que estava tudo
ótimo, é lógico que fiquei tentando decifrar isso, até ouvir ela dizer pro
pessoal que nem dava tempo de montar a banheira e entendi que ele nasceria logo.

Mais contrações, quatro apoios, mãos da Marília me dando força, volta a Betina e
alguma hora me oferece a banqueta de cócoras. Eu sentei nela debaixo do chuveiro
e era um pouco difícil apoiar-se mas tudo bem.

O marido sentou num banco mais alto atrás de mim e me apoiei nele. Mudamos para
o chuveirinho pq o chuveiro me irritou. As contrações ficaram diferentes e mais
espaçadas, mas fortes, não era mais no mesmo lugar, era mais força que dor.
Fiquei mais acordada.

Ela me examina e vê que ele está perto, ponho a mão e sinto a cabeça menos de um
dedo pra dentro. Mais contrações e força. Tive dificuldade de relaxar e deu mais
certo empurrar. Ele vinha e voltava um pouco porque o fôlego acabava.

Na última senti o períneo esticando e lembrei do epi-no. Quando ardeu tudo e
achei que era o máximo esticou ainda um monte a mais. Betina sugeriu que fosse
devagar mas eu não conseguia e pensei: "Vou me rasgar! Que rasgue!" O fôlego
veio não sei da onde e eu consegui emendar várias forças. Empurrei. A cabeça
saiu direitinho (mesmo ele tendo estado com o dorso a direita até o final) e
senti o giro, já veio o ombro e o corpinho. A Betina pegou mas eu logo eu já
estava puxando ele pra mim enquanto ela tentava desembaraçar o cordão. O marido
chorava. Nosso Iuri veio olhando tudo, com as perninhas e bracinhos fortes,
lindo!


Ah e não tive laceração, mesmo chutando o balde na hora do expulsivo. Santo epi-no!

Bem, ficou grande né? Quero escrever ainda um melhor com meus sentimentos na
hora e algumas reflexões e todos os agradecimentos necessários, mas preciso ver
o pequeno aqui que cansou do sling por hora. Ainda não consegui amamentar,
amanhã o Cacá vem vê-lo e espero progredir.

Por enquanto fico aqui olhando apaixonada esse par de olhinhos que olham tudo.
Valeu gente!


Paula do Iuri (PD, 18 horas - que não me deixou assinar 40 semanas pq nasceu
antes.)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Amor líquido



Estamos com nosso bebê em casa há cinco dias e meio. Tenho chorado à toa. A lembrança de seu nascimento é muito forte e muito presente. Olho pro canto da cama onde fiquei ajoelhada e lembro das dores que senti lá, vou tomar banho e me lembro do chão onde fiquei, do canto da parede onde apoiei minha cabeça nas contrações mais fortes, da fresta para respirar nos intervalos, da toalha que serviu de conforto pra mim e para a médica, querida,  que topou sentar-se no chão para me examinar, porque essa era a melhor posição pra mim.

Olho para a toalha na mesa da cozinha e me lembro do nosso café da manhã tão alegre pouco depois do nascimento dele.  Olho para a banheira inflável fechada e me lembro de quando ouvi que não daria tempo de usá-la. Durante a noite minha bacia ainda estala e minha virilha ainda dói um pouco, lembranças do final da gestação. Quando espirro ainda sinto meu corpo se abrir e até poucos dias o assoalho pélvico estava sensível.

Aos poucos os sinais físicos vão indo embora. Os sinais do ambiente também. Anteontem arrumamos a casa, guardando resquícios da gestação e do parto como creme anti-estrias, epi-no, protetores de colchão e peneira e transformando o ambiente que era uma casa de gestante em uma casa com um bebê. Vieram os cueiros, a pomada para amamentação, as fraldas.

Sinto na casa uma aura de amor e serenidade que envolve todo ambiente. Olhar por horas para nosso bebê; Ver, rever e reviver o momento do seu nascimento; Perceber o quanto é instintivo o ato de ninar, proteger, chamar de filho (nunca pensei que essas habilidades viriam tão instantaneamente)... É como se o amor fosse líquido e corresse pelo meu corpo continuamente. É algo mais do que apenas mental, é uma sensação física mesmo, de sentir essa coisa correndo aqui dentro, e às vezes corre tanto, tão forte que até arde, até dói.

Até ontem isso ainda estava muito forte. Hoje a ida ao cartório quebrou um pouco o clima, mas de qualquer jeito eu sabia que um dia teria que começar a voltar ao mundo. Percebendo essa transição eu me entristeço de verdade, mesmo em meio a tanta felicidade, me entristeço ao ver os sinais do parto no corpo indo embora, ao reorganizar os objetos daquele dia na casa, e ao sentir que essa atmosfera também vai se dissipar, que ela não é pra sempre.

O amor líquido ainda está aqui, mas não sei por quanto tempo. Interferências externas o bloqueiam, mas ele ainda volta. Até quando ele voltará? Não sei. Tento afastar o pensamento e aproveitar cada minuto.

Enquanto escrevia este texto o umbiguinho do bebê caiu. E eu caí em prantos. Meu pequenino começa a crescer. O negócio é aproveitar o dia de hoje, hoje. Ele está chamando, vou amamentar.

12 de novembro de 2012

sábado, 5 de maio de 2012

Rosa não!

Esta semana no museu atendemos uma turminha de cinco anos. Em determinado momento cada criança podia escolher alguns adereços e uma moldura para virar um retrato. Até aí tudo ótimo. O fato que se repete, que me irrita, entristece e preocupa profundamente é ver todas as meninas escolhendo exatamente a mesma fantasia: vestido e coroa de princesa.

Algumas mães de meninos reclamam que eles têm menos opções nas lojas, mas eu pergunto: que opções têm as meninas senão as roupas cor de rosa e os brinquedos de princesa???

Que padrão de mulher é esse que desde a barriga é imposto às meninas como se fosse a única mulher a qual se pudesse aspirar ser um dia? Como se o grande ideal de uma menina fosse ser uma princesa, uma barbie cor de rosa ou, mais tarde, uma modelo número 36?

É absurdo como a indústria têxtil, de brinquedos, a mídia e os próprios pais negam a essas meninas todas as outras opções na vida, todas as outras cores e experiências.

A enorme insegurança e baixa autoestima que vemos nas meninas adolescentes (e destaco: muito mais nas meninas que nos meninos), pode estar ligada a esse padrão imposto e tão distante da realidade da maioria das meninas brasileiras.

Se eu tiver uma filha não vou fazer dela uma frágil princesa, afogada em laços e tules. Se eu tiver uma filha não quero rosa nenhum, quero amarelo, vermelho, verde, laranja, preto e até bistre! Quero que ela possa ser uma criança alegre e criativa, para um dia ser uma mulher dona do próprio nariz!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

É, e o ano começou mesmo!

O ano começou e o tempo (que surpresa) já parece menor que as tarefas, os sonhos, as possibilidades.
É preciso organizar já uma lista, para que nada fique de fora, para que o ano possa render tudo o que ele promete. Então vamos lá:
Arrumar e limpar a casa,
Cozinhar e congelar,
Organizar as coisas da viagem,
Organizar as fotos e os vídeos da viagem,
Exercitar-me regularmente,
Passear com o Uther todos os dias,
Estudar inglês,
Rever os amigos,
Fazer alguns jantares indianos para pessoas especiais,
Voltar a estudar, ler, pensar,
Cuidar da carreira,
Voltar a ler deliciosas ficções,
Assistir filmes, séries e ouvir discos,
Marcar alguns médicos,
Cuidar da pele,
Fazer melhorias na casa e  construir um espacinho para o Uther,
Namorar bastante,
Ir à praia e ao campo,
Dormir.

Agora é colocar cada um na sua caixinha e garantir o espaço para todos. Será possível? Creio que sim, é só escolher três ou quatro para deixar nas caixas maiores e acomodar os outros nas restantes. Em breve saberemos.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Retorno, estranho retorno.

Hoje:
Hoje eu voltei ao mundo que conhecia, mas ele não é mais como antes.
Hoje eu tive uma tendência enorme a atravessar a rua feito louca, no meio dos carros, mas lembrei que aqui não é a India.
Hoje eu estranhei ouvir e falar tanto português, mas lembrei que aqui não é a India.
Hoje eu andei pela rua e senti falta dos rostos sorridentes e tão bonitos dos indianos, ao invés disso vi pessoas tão diferentes umas das outras, tão indecifráveis em suas origens como só nós brasileiros podemos ser, e lembrei que aqui não é a India.
Hoje peguei um ônibus o qual conhecia o trajeto e onde ninguém me olhou com curiosidade, e lembrei que aqui não é a India.
Hoje nenhuma criança perguntou meu nome, nem pediu que eu a fotografasse e eu lembrei que aqui não é India.

Hoje eu não vi nenhum sari e nenhum turbante e lembrei que aqui não é a India.
Hoje eu comi num restaurante meia boca, gastei 5 dólares sozinha e lembrei das tantas refeições incríveis que fizemos, a la carte, para duas pessoas, em lugares mágicos por 6 dólares apenas, mas lembrei que aqui não é India.
Hoje eu senti falta dos sabores da comida indiana e coloquei pimenta no feijão, mas pimenta está muito longe de ser masala e eu me lembrei que aqui não é a India.
Hoje eu precisava de uma massagem de uma hora, e ficaria feliz em pagar os mesmos 8 dólares que paguei por ela em Khajuraho, mas lembrei que aqui não é a India e o meu salário não dá pra ficar fazendo massagens...
Hoje eu não vi nenhum cabrito de roupa, não passei por nenhuma vaca, não vi nenhum esquilo ou macaco e nem em sonho poderia encontrar um camelo ou elefante fora do zoológico, mas isso é normal, pois não estou mais na India.
Hoje eu senti falta das cores, dos cheiros e dos cânticos e lembrei que aqui, definitivamente, não é a India.