Sem querer deletei todo o antigo blog. O Quadrante Delta ficou ainda mais perdido no espaço... Através deste novo veículo retorno àquelas paragens. Refaço o caminho, reconheço o trajeto e, embora não possa recuperar o que já está perdido, o quadrante ainda reserva mundos inexplorados. Boa viagem!

segunda-feira, 25 de março de 2013

Sobrevivência


Pari meu filho naturalmente. Sem cortes, sem soro, sem analgesia, sem ordens e sem pontos. Sim, eu pari como nossas ancestrais e sobrevivi. Sobrevivemos, eu e meu filho, e muito bem. Ele nasceu forte e ativo. Não foi aspirado, furado, medicado ou medido. Respirou, olhou, sentiu, viveu. Simples assim.
Após seu nascimento veio para meu peito. Não se interessou em mamar no primeiro dia, mas não houve desespero ou metas, ficou aconchegado a mim como qualquer mamífero faria ao nascer. Quando quis ele começou a mamar, e não parou mais.
Ninguém o levou pra longe, ninguém achou que ele não sabia mamar, ninguém deu leite artificial pra ele, ele foi pesado aos três dias e aos três meses. Hoje está com quatro meses e meio, forte, ativo, tranquilo e feliz e se alimenta apenas do meu leite. Sem complementos, sem chá, sem suco e sem água. Ele nunca viu mamadeira ou chupeta. E sobreviveu.
Se estivéssemos longe da civilização nós teríamos sobrevivido ao nosso parto perfeitamente e ele estaria se alimentando exclusivamente do meu leite, como faz hoje. Sobreviveríamos, olha só, sem médicos ou indústria! Somente com o que a natureza nos deu. É bonito, barato e funciona perfeitamente.
Mas sei, com pesar, que não teríamos sobrevivido se me tivessem feito acreditar que meu leite é fraco, que meu peito é pequeno, que meu bebê dorme demais ou de menos, que chora demais ou de menos. Se me levassem ao medo por ele não ter mamado nos primeiros dias e me orientassem a complementar com leite artificial, ou a procurar mil profissionais antes de confiar no meu corpo.
Talvez não sobrevivêssemos se tivéssemos pesado o bebê a cada 15 dias, obcecados por uma curva de crescimento que pretende dizer mais que a própria criança.
Talvez não tivéssemos sobrevivido se estivéssemos no lugar de outras mães e bebês, inundados de palpites bem intencionados, de histórias trágicas ou de orientações técnicas demais. É bem provável que tudo isso minasse nossa confiança, nossa relação, abalando nossa conexão tão íntima.
Da mesma forma, eu provavelmente eu não teria sobrevivido ao parto se tivesse sucumbido ao sistema de saúde tradicional, se tivesse me deixado convencer que eu era muito velha, muito sedentária, muito fraca para parir. Se me fizessem acreditar que eu precisava ser cortada e medicada, que eu não saberia fazer, que eu não suportaria a dor, que meu filho sofreria e tantas outras coisas.
Sobreviver hoje, na selva da civilização, ganha outro significado. Hoje é preciso sobreviver não à natureza, mas à medicalização, à indústria, ao marketing, ao negativismo, às verdades institucionalizadas.
É preciso se munir de força, boa informação, instinto e ouvidos moucos.
Quatro meses e meio. Seguimos vivos, inteiros e com nossas crenças reforçadas.
Que venham as próximas fases.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Carta ao meu filho cuidador




Filho,

Obrigada por cuidar de mim tanto e tão bem. Sabe, eu ouvia falar na fusão mãe-bebê e não acreditava muito, não compreendia. Como assim seres fusionados?
Esta semana, olhando de volta para nossas primeiras semanas juntos, enxerguei claramente a segunda fusão (porque acredito que a primeira seja a intra-uterina mesmo). Lembrei-me de mim naqueles dias e consegui me ver plenamente conectada a você, sempre em contato com a sua pele, atenta aos seus movimentos, reproduzindo suas expressões. Seu desconforto, seu prazer, sua serenidade, e até seus esboços de sorrisos ressoavam em mim automaticamente.
O mundo exterior não existia, era como uma imagem sem sentido, um filme velho. Os dias continuavam correndo, as pessoas trabalhando, os carros entupindo as ruas, as buzinas, semáforos e o comércio continuavam lá fora. No entanto, eu era como fêmea na toca. Meu calor supria seu calor e se alimentava dele ao mesmo tempo. A conexão era mental-físico-química-amorosa. Isso mesmo! Tudo ao mesmo tempo. Era estranho até ficar num cômodo da casa diferente do seu.

E assim passamos os primeiros dias, dormindo juntos, nos alimentando juntos, grudados feito bicho porque não precisávamos ser mais nada além de bicho, e que delícia isso!
Você começou a perder as feições de recém-nascido, os hormônios do parto se dissiparam, o mundo voltou a tomar alguma cor, mesmo que ainda sem sentido.
Na próxima semana você completará quatro meses. Você está cada vez mais risonho, gostoso e apaixonante. Começa a brincar e presta atenção em tudo. Me dá um medo de que cresça muito rápido e de ter que me separar de você... Mas esses são outros assuntos que terei que retomar em breve. Por hora queria te agradecer por cuidar de mim tanto e tão bem.
Alguns dias são bem difíceis ainda. Este puerpério desencavou questões muito profundas do meu ser, abalou minhas certezas, minha identidade, meus apoios e trouxe tantas coisas belas, tristes, maravilhosas... Coisas que reverberam ao menor estímulo e descem em enxurrada lavando, levando, limpando o meu ser, ou o que restou dele.

E você com isso?

Você é meu cuidador. Sempre, quando o dia começa você me recebe com um sorriso de gengiva indescritível, me lembrando que a vida chega com o dia, como você também chegou. És um recarregador de baterias poderosíssimo, meu filho.
Quando estou ocupada, mas estou bem, você dorme ou me faz companhia, sempre bem de pertinho, e no seu sono, vela pela minha vida, como velo pela tua. Quando preciso fazer algo que não gosto você me chama para brincar, para ninar, para estar com você e me lembra que a vida é muito mais que as tarefas burocráticas do nosso dia-a-dia. Quando saímos você é meu companheirinho, meu piercing, meu protetor, porque com você me sinto mais forte.
Nos dias nos quais estou muito feliz meu peito se enche de leite e você mama até cansar, brinca até cansar e dorme feliz, sereno, enquanto sinto a felicidade fazer arder de novo o peito, produzindo mais e mais leite, mais e mais amor.
E em outros dias, quando a tristeza me pega, você cuida especialmente de mim. Se eu choro, você chora também. Eu reluto, você insiste. Não desiste até que eu te dê colo, até que eu ganhe seu colo no meu.
Se a solidão toma conta do dia você me requer mais perto, pede mais pele, mais peito, mais olhar. Como quem diz “Você não está sozinha. Estou aqui com você mamãe.” Você me olha com seus olhos profundos de quem sabe tudo o que eu sinto e me segura, me acolhe, me ergue de novo. É... Você me ergue! E se começo a me levantar você me recompensa com sorrisos e mostra como a vida é realmente linda.
Talvez eu tenha perdido parte das minhas habilidades de fusão das primeiras semanas, mas você, meu filho, as mantêm por nós dois. Fusão com upgrade, adaptada a nova fase que vivemos. Fusão expressa no olhar que nenhuma fotografia pode capturar e que, não sei não, mas acho que ninguém além da gente pode ver.