Filho,
Obrigada por cuidar de mim tanto
e tão bem. Sabe, eu ouvia falar na fusão mãe-bebê e não acreditava muito, não
compreendia. Como assim seres fusionados?
Esta semana, olhando de volta
para nossas primeiras semanas juntos, enxerguei claramente a segunda fusão
(porque acredito que a primeira seja a intra-uterina mesmo). Lembrei-me de mim
naqueles dias e consegui me ver plenamente conectada a você, sempre em contato
com a sua pele, atenta aos seus movimentos, reproduzindo suas expressões. Seu
desconforto, seu prazer, sua serenidade, e até seus esboços de sorrisos
ressoavam em mim automaticamente.
O mundo exterior não existia, era
como uma imagem sem sentido, um filme velho. Os dias continuavam correndo, as
pessoas trabalhando, os carros entupindo as ruas, as buzinas, semáforos e o
comércio continuavam lá fora. No entanto, eu era como fêmea na toca. Meu calor
supria seu calor e se alimentava dele ao mesmo tempo. A conexão era mental-físico-química-amorosa.
Isso mesmo! Tudo ao mesmo tempo. Era estranho até ficar num cômodo da casa
diferente do seu.
E assim passamos os primeiros
dias, dormindo juntos, nos alimentando juntos, grudados feito bicho porque não
precisávamos ser mais nada além de bicho, e que delícia isso!
Você começou a perder as feições
de recém-nascido, os hormônios do parto se dissiparam, o mundo voltou a tomar alguma
cor, mesmo que ainda sem sentido.
Na próxima semana você completará
quatro meses. Você está cada vez mais risonho, gostoso e apaixonante. Começa a
brincar e presta atenção em tudo. Me dá um medo de que cresça muito rápido e de
ter que me separar de você... Mas esses são outros assuntos que terei que
retomar em breve. Por hora queria te agradecer por cuidar de mim tanto e tão
bem.
Alguns dias são bem difíceis
ainda. Este puerpério desencavou questões muito profundas do meu ser, abalou
minhas certezas, minha identidade, meus apoios e trouxe tantas coisas belas,
tristes, maravilhosas... Coisas que reverberam ao menor estímulo e descem em enxurrada
lavando, levando, limpando o meu ser, ou o que restou dele.
E você com isso?
Você é meu cuidador. Sempre, quando
o dia começa você me recebe com um sorriso de gengiva indescritível, me
lembrando que a vida chega com o dia, como você também chegou. És um
recarregador de baterias poderosíssimo, meu filho.
Quando estou ocupada, mas estou
bem, você dorme ou me faz companhia, sempre bem de pertinho, e no seu sono,
vela pela minha vida, como velo pela tua. Quando preciso fazer algo que não
gosto você me chama para brincar, para ninar, para estar com você e me lembra
que a vida é muito mais que as tarefas burocráticas do nosso dia-a-dia. Quando
saímos você é meu companheirinho, meu piercing, meu protetor, porque com você
me sinto mais forte.
Nos dias nos quais estou muito
feliz meu peito se enche de leite e você mama até cansar, brinca até cansar e
dorme feliz, sereno, enquanto sinto a felicidade fazer arder de novo o peito,
produzindo mais e mais leite, mais e mais amor.
E em outros dias, quando a
tristeza me pega, você cuida especialmente de mim. Se eu choro, você chora
também. Eu reluto, você insiste. Não desiste até que eu te dê colo, até que eu
ganhe seu colo no meu.
Se a solidão toma conta do dia
você me requer mais perto, pede mais pele, mais peito, mais olhar. Como quem
diz “Você não está sozinha. Estou aqui com você mamãe.” Você me olha com seus
olhos profundos de quem sabe tudo o que eu sinto e me segura, me acolhe, me
ergue de novo. É... Você me ergue! E se começo a me levantar você me recompensa
com sorrisos e mostra como a vida é realmente linda.
Talvez eu tenha perdido parte das
minhas habilidades de fusão das primeiras semanas, mas você, meu filho, as
mantêm por nós dois. Fusão com upgrade, adaptada a nova fase que vivemos. Fusão
expressa no olhar que nenhuma fotografia pode capturar e que, não sei não, mas
acho que ninguém além da gente pode ver.
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