Por que não se conjuga o verbo
parir?
Preste bem atenção: com exceção
de círculos muito específicos de pessoas, ao se falar de um nascimento a última
coisa que ouvimos é que a mulher pariu. Usamos vários substitutos para dizer a
mesma coisa.
Normalmente focamos apenas no
bebê:
João nasceu esta noite. / Ana
chegou com saúde, 50cm e 3 quilos.
Quando falamos da mulher usamos
eufemismos esquisitos como
Maria deu à luz Vitória às 6h45
da manhã. /Quando Lia teve bebê a família toda foi visitar. / Joana ganhou
neném ontem.
Raramente se fala do parto, mas
quando se fala, ele é substantivo, quase nunca verbo.
Lúcia teve parto normal. / O
parto de Miriam foi longo e doloroso. / Os partos de Celeste são muito rápidos.
Como se mulher não fosse sujeito
de conjugar, sujeito de escolher, sujeito agente.
Como se parir não fosse verbo de
ação, verbo forte, daqueles de mudar as coisas.
Querem-nos pra sempre sujeitos
pacientes, transformam nosso maior ato em objeto e nos dão verbos fracos,
opacos, sem significado. Sujeito paciente só merece verbo de ligação, diz a
norma. E o verbo, transformado em objeto, torna-se mais forte que o próprio
sujeito, mas se esvanece na falta de ser ação, sua natureza primeira. Todos
perdem.
Culturalmente, quando usamos
eufemismos para falar de nascimento sem citar o parto, o maior evento da vida
da mulher fica escondido. Tentam amansar a experiência, suavizá-la, poetizam o
preconceito.
Quando, raramente, ele aparece,
é substantivo da voz passiva e quase nunca verbo. A mulher teve parto, mas não
pariu. Pariram por ela. A amarraram, constrangeram, anestesiaram e cortaram.
Dessa forma, ela não pari, tem um parto mesmo.
O uso corriqueiro das palavras
reflete nossa realidade obstétrica. Reflete também nossos preconceitos com a
mulher e seu poder de parir já que, mesmo entre as que pariram espontaneamente,
o verbo não costuma ser conjugado em voz alta.
Parir é coisa de bicho. É forte
e sexual. É poder que o homem não tem.
Ninguém quer mulher com poder,
nem com força, nem com sexo.
Dessa forma não lemos o verbo em
lugar nenhum, não aprendemos a conjugá-lo, não nos acostumamos a usá-lo. Para
escrever este texto fui tirar algumas dúvidas sobre a conjugação correta do
verbo parir já que eu também o leio pouco.
Então aí vai, a conjugação que
eu queria ver na boca de todo mundo:
Eu pari meu filho e foi
maravilhoso
Quando tu parires saberás
Minha avó paria em casa como eu
Nós parimos menos hoje que no
passado, mas
Vós parireis e ninguém impedirá.
Porque mulheres parem.
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