Quando falamos sobre
a visitação de bebês e crianças pequenas nos museus e sugerimos ações
direcionadas especificamente para esse público, muitas pessoas reagem com
surpresa. Alguns com agradecida surpresa, uma vez que já procuravam espaços e
ações que levem em conta a participação dos pequenos. Outros demonstram uma
surpresa curiosa, enxergando nessas novas práticas um quê de inusitado.
Já me perguntaram algumas vezes: mas
por que o museu precisa receber crianças pequenas? Por que os bebês precisam ir
aos museus?
Ora, são duas perguntas diferentes, já
que uma está centrada na criança e outra na instituição.
O bebê, em si, não "precisa"
necessariamente ir ao museu, o que ele e seus cuidadores precisam, é ter essa
porta aberta, invariavelmente. Os museus são espaços privilegiados para a
criação de sentidos e bebês e crianças pequenas experimentam o tempo todo a
criação e elaboração desses sentidos no mundo, junto às pessoas que amam e que
são responsáveis por eles.
A formulação de sentidos é exercitada
pela criança em todos os espaços que frequenta, da casa dos avós à mesa do
restaurante; da água que corre para o ralo ao avião que passa fazendo barulho;
do balbucio e primeiros vocábulos às conversas sem palavras, aquelas que estão
nas entrelinhas do fazer e do estar.
Pais e cuidadores, por sua vez, buscam
lugares onde podem participar das descobertas de suas crianças, lugares que
considerem como potenciais descortinadores de sentidos, já que a maioria dos
adultos se distanciou da capacidade de buscar (e criar) sentido nas coisas do
dia-a-dia.
E que lugares seriam esses? Para muitas
pessoas serão os parques, para alguns será o contato com a natureza, para
outros os ritos familiares ou religiosos. Alguns vão buscar esses sentidos nos
marcos simbólicos de sua cidade, alguns os encontrarão na prática e no contato
com a arte e outros nos museus.
Por serem locais privilegiados para a
criação de sentidos os museus são espaços perfeitos para esse encontro intergeracional
e precisam estar abertos (não só física, mas conceitualmente também) a quem
deles quiser desfrutar.
Já me perguntaram também sobre a
importância dos bebês frequentarem museus para estabelecerem, desde cedo, o
contato com a arte. Mas vejam, os bebês não precisam estar nos museus para
terem contato com a arte, pois - como já nos lembrou Anna Marie Holm - eles não
separam a arte das outras experiências que vivem, sendo toda experiência
física, emocional, cognitiva e também estética.
É claro que o contato com a obra de
arte também traz um repertório muito rico para essa criança que descobre o
mundo e é portanto positivo, especialmente se o adulto que a acompanha tiver uma ligação afetiva com o objeto artístico.
O que quero ressaltar aqui é a
importância das relações humanas envolvidas em uma visita ao museu. Para a
criança pequena a grande qualidade dessa experiência é estar junto aos que ama,
em um lugar com grande potencial para criação de sentidos - inclusive para os
adultos - e poder COMPARTILHAR descobertas e valores.
Através da ocupação do espaço público
crianças e adultos compartilham valores específicos daquela família, como a
maneira de se colocar e participar, a vivência do coletivo, o encontro com as
diferenças, a apropriação do bem comum, o zelo por ele e etc. Por isso é tão
rica e importante a presença de grupos familiares na cidade, nas praças, nos
parques, nos espaços decisórios e de cultura.
Os museus, como instituições públicas
tem o dever não só de preservar, pesquisar e "comunicar" os
resultados de suas pesquisas à população, mas de fazerem-se abertos à
participação de todos. É importante que essa participação encontre espaço para ser ativa, criativa e crítica, como nos lembra Mauricio Segall, pois o
museu também é espaço de cidadania. E é fundamental ainda que nesse
"todos" estejam incluídas as crianças, como seres que existem hoje,
são reais, criam e interagem, e não como meras promessas para o futuro.
Mais do que isso, quando pensamos em
bebês e suas famílias, quando pensamos nas mulheres no puerpério que trazem
consigo seus bebês pequenos e tantas outras questões, quando pensamos em mães
que amamentam, em pais solteiros, em avós que cuidam de seus netos, nos
deparamos com um grupo ainda invisível de cidadãos no que se refere às políticas
culturais.
Invisíveis porque foram segregados, há
muito tempo e em diversos níveis, do convívio social; excluídos dos encontros
entre amigos, da mesa compartilhada nas refeições, dos espaços de cultura e
tantos outros. Invisíveis porque ficaram destinados a ambientes extremamente
privados e controlados, como nos lembra Laura Gutman. Ambientes onde poderão
ficar "protegidos" ou de onde não incomodarão ninguém com seus choros, suas
fraldas, suas pequenas mãos sujas e seus movimentos imprevisíveis.
Ainda mais invisíveis quando nos
desacostumamos tanto a sua presença que chegamos a ficar surpresos quando
encontramos na padaria um pequeno grupo de mães com seus bebês de menos de três
meses.
Por tudo isso, os museus, além de serem
espaços privilegiados para a criação de sentidos, o reconhecimento identitário,
a interação humana e a vivência de valores, também tem o dever - pela sua
vocação pública - de olhar atentamente para os grupos invisíveis da nossa
sociedade (esse e tantos outros), dialogar com eles, abrir-se para sua
presença, sua participação.
Mais do que nunca, é preciso sentar-se
no chão, ouvir e acolher.