É com prazer que divido com quem
quiser ler o relato da noite em que pari Iuri. É um relato gigante gente, pois
além do que senti e pensei no momento, também tentei colocar o que aconteceu
(com base em informações posteriores dos queridos que me acompanharam) e
algumas reflexões a respeito do processo todo e como ele me transformou. Assim,
quem preferir uma versão light, ocitocinada e menos precisa dos fatos sigam
direto até o fim deste texto, onde encontrarão o link para o Relato Rápido Parto
Iuri. Neste caso gostaria que lessem (também no final deste texto) os
agradecimentos, que não estão no outro relato.
OS PRIMEIROS SINAIS
Segunda-feira dia 05/11, foi meu
aniversário e foi um dia muito especial. Eu tinha completado 39 semanas no
sábado dia 03/11 e parei de trabalhar imaginando que o bebê ainda ia demorar
uma ou duas semanas e eu teria uns diazinhos de descanso e concentração
pré-parto. Na yoga a Kátia fez minha despedida de barriga e eu pensava que
ainda assistiria mais 2 ou 3 aulas depois (engano nosso, rs). Depois da aula
fomos comer uma pizza com nossos queridos Rafa, Dinho e Gabriel e na volta pra
casa ainda tiramos umas fotos com a barriga de nove meses e o lindo desenho da
Kátia. Conversei um pouco na internet e fui dormir feliz, tinha sido um
aniversário ótimo.
Às 5h45 do dia 06/11 levanto pra
fazer xixi e tenho um sangramento muito parecido com menstruação. Uma parte de
mim achava que não era nada, outra, razoável, achava que podia ser algum sinal
de que o parto se aproximava, mas não era nenhum dos que eu esperava (não era a
saída do tampão, não era a bolsa, não eram as contrações) e ficou me
azucrinando uma partezinha de mim que achava que podia ser alguma coisa errada,
então resolvi ligar pra Marília, nossa doula.
Ela perguntou algumas coisas e
disse que poderia ser algum sinal, bem de leve, mas que precisaríamos observar.
Disse pra eu aguardar que ela me ligaria depois de uma hora pra saber. Na
segunda ligação contei a ela que o sangramento havia sido pontual, que parecia
que tinha parado e ela nos orientou a descansar e mais tarde, depois das 9h,
informar a Betina, nossa médica, para que ela ficasse a par.
Depois de um tempo consegui
dormir de novo, o Val foi trabalhar e acabou voltando com o café da manhã, pra
ver como eu estava. Às 10h levantei e liguei pra Betina. Mesmo nesse horário
percebi que a tinha acordado e fiquei envergonhada, sabia que há umas duas
semanas pelo menos ela estava tendo praticamente um parto por dia e devia estar
muito cansada. Ela perguntou se eu estava tendo contrações e eu disse que não,
apenas uma coliquinha como a menstrual no pé da barriga, tão leve que era quase
imperceptível e ela falou pra tocar a vida normal.
Uma coisa me preocupava mais que
tudo: da lista de itens para o parto domiciliar, faltavam os cueiros. Eles
estavam com minha sogra para fazer a bainha e eu não sabia se estariam prontos
ainda na terça. Pedi ao Val que foi almoçar lá que trouxesse de volta, mesmo se
não tivesse pronto, que eu ia fazer aqui! Eu (louca!) pensava: “E se a Betina
resolver me mandar pro hospital, só por causa dos cueiros?”
Bem, a manhã passou lentamente,
de vez em quando eu percebia uma borrinha no absorvente. Dei almoço pro Uther,
nosso dogue alemão, e ele estava surpreendentemente calmo. O Val não conseguiu
trazer os cueiros, mas garantiu que os pegaria prontos e lavados às 17h, quando
voltasse do trabalho. Durante a tarde eu estava na dúvida se algo realmente ia
começar, achava que talvez no outro dia à noite... Assisti TV, lavei e fiz a
bainha nas fraldas Cremer que faltavam. Aquela coliquinha passou a ser
“chatinha”, como eu sentia na menstruação e então eu percebi que ela ia e
vinha, mas não sentia nada diferente disso.
Falei mais uma vez com a Marília
à tarde, era terça-feira, dia da minha aula de inglês, e eu pensava em, se nada
mudasse, ir para a aula, já que o trabalho de parto ainda podia demorar dias.
Marília sugeriu que eu não fosse à aula, que aproveitasse para fazer alguma
coisa bem gostosa com o Val, pois podia ser nossa última noite a dois. Gostei
da sugestão do cinema e quando o Val chegou às 18h (com os cueiros, ufa!)
sugeri o programa e ele topou.
Procuramos um filme, não
queríamos dormir muito tarde, pois pensávamos que seria fundamental descansar naquela
noite. Escolhemos o novo filme do 007 num shopping da Mooca. A essa altura as
cólicas passaram a ser doloridas, um pouco mais do que me lembrava dos períodos
menstruais, iam e vinham, mas continuavam no mesmo lugar: no pé da barriga.
Hoje penso que meu trabalho de parto engrenou nesse final de tarde, por volta
das 18h, quando as cólicas pareceram mais ritmadas e começaram a incomodar, mas
na hora eu não achava que era isso.
Durante o filme (muito bom por
sinal) as cólicas ficaram mais ritmadas e bem mais doloridas. Lembro que eu
apertava a mão do Val cada vez que uma chegava, e elas vinham devagar,
aumentavam até um pico e reduziam, eram as tais das ondas. Poderiam ser as
contrações, mas era uma dor no pé da barriga, eu não sentia nada puxando,
nenhuma dor nas costas como achava que deveria ser.
Consegui assistir o filme todo e
depois fomos pra casa. As cólicas/contrações continuavam. Pensei: vou tomar um
banho porque pode ser falso trabalho de parto e se for vai passar. Achei bom
nessa hora ligar pra Marília antes que ela dormisse e avisar como estava, vai
que eu precisasse chamá-la no meio da noite? Contei a ela sobre as contrações e
como eram, disse que estavam doendo bem, mas nada demais, pois eu conseguia
continuar conversando durante elas e que meus planos eram os de tomar um banho e
tentar dormir, pois achava que podia engrenar no dia seguinte e estava muito
preocupada em estar descansada quando isso acontecesse.
Ela perguntou se eu havia contado
as contrações e disse que não, pois não queria ficar ansiosa, e depois o banho
poderia acalmar tudo. Eu pensava que, se eu estivesse errada e o trabalho de
parto tivesse realmente começado, não faria diferença contar as contrações,
pois em algum momento elas iam ficar fortes e não ia mais ter jeito de
negá-las. (Pois é... Foi o que ocorreu!)
Bem, no fim a Marília me
convenceu a tomar um banho bem gostoso e demorado, tentar relaxar e depois
contar as contrações por meia hora e avisá-la do resultado. Fiquei um pouco
contrariada, pois se ficasse meia hora contando as contrações eu ia dormir meia
hora mais tarde, e eu queria dormir logo. Mas tudo bem. Eu ainda achava que o
banho ia cessar as contrações ou espaçá-las.
TUDO COMEÇA MUITO RÁPIDO
Meia hora depois, por volta da
meia noite saí do banho e o Val começou a me ajudar a contar as contrações. As
dores continuavam no mesmíssimo ponto no pé da barriga, mas qual não foi a
minha surpresa ao perceber que de repente ficaram muito mais fortes e
frequentes! Em meia hora foram 8 contrações, os intervalos bem irregulares, mas
curtos, variando entre 1 e 4 minutos, com cerca de 30 e 40 segundos de duração.
Mandamos o resultado pra Marília
por mensagem e ela respondeu pra avisar a Betina para que ela ficasse a par,
nessa hora já era quase 1h da manhã. Eu já estava morrendo de dor nas
contrações e não quis mais saber de telefone, passei pro Val a incumbência de
fazer todos os contatos com as duas desse ponto em diante.
Até aqui ele ainda estava
tentando arrumar umas coisas na casa para o parto (pois eu nunca achava que a
casa estava pronta o suficiente e ficava pedindo pra ele fazer coisas), mas
nessa hora percebemos que não dava mais pra ele sair do meu lado.
Eu lembrava do “teatrinho” que a
Betina fez pra gente no consultório, encenando pra ele como eu deveria reagir
às contrações e em que momento ele deveria chamá-la. Lembro que era quando as
contrações fossem intensas e com intervalos de 3 minutos, que eu não
conseguiria falar mais durante as dores e que precisaria procurar posições
diferentes para suportá-las.
Foi engraçado ver a cena no
consultório, mas no dia mesmo foi tudo muito rápido. Quando eu percebi já
estava doendo muito e o tempo em que as dores se intensificaram foi curto
demais para que eu me adaptasse a elas. O fato é que eu achava que todo esse
começo ia durar muito mais tempo, e acho que elas (Marília e Betina) também
achavam. Hoje imagino que talvez desde às 18h (ou antes) eu estivesse nessa
fase latente e que o que aconteceu é que eu não acreditei que tinha começado.
Por volta das 1h quando o Val
tentou falar com a Betina e não conseguiu (ele deixou recado) eu já não
encontrava posição pra ficar durante as contrações. Lembrei que diziam que
andar é bom e andei, e assim apoiava na parede a cada contração. Uma vez tentei
apoiar no Val, mas ele não sabia me segurar, eu não sabia explicar e não foi
bom. Tentei agachar, mas não era bom, aquela dor era muito estranha, eu ainda
estava esperando a dor na lombar que todo mundo falava, mas o que doía e cada
vez mais forte era o pé da barriga, bem lá dentro, bem lá no fundo. Era como
uma cólica menstrual mega vitaminada.
Resolvi deitar e ver se aguentaria
melhor a dor. Fiquei deitada de lado por algumas poucas contrações. Em
determinado momento senti um estalo forte e em seguida saiu todo o líquido. A
bolsa tinha estourado. A sensação é engraçada, é bastante líquido mesmo. Eu
chamei o Val falando: “Vem aqui que tá vazando!” Ele passou por mim e foi até o
banheiro e ficou procurando onde estava vazando, até hoje dou risada quando me
lembro da cena. E eu falei: “Não! Sou eu que estou vazando! A bolsa estourou!”.
Eu estava na cama deitada sobre um edredon dobrado que, por sorte, absorveu
todo o líquido, mantendo o colchão seco. Logo que levantei fui olhar o líquido
(morria de medo de mecônio) mas ele estava bem clarinho.
O Val avisou a Maríia, avisou a
Betina mas eu não acompanhei essas conversas. Ele me disse que elas falaram
para que acompanhássemos por cerca de uma hora o desenrolar do trabalho de
parto. A bolsa tinha estourado às 1h20 da manhã, logo depois notei a saída do
tampão e algumas contrações depois eu pedi pra ele ligar o computador e entrar
na lista da noveluas, pois queria avisar as meninas que tinha começado (Sim,
agora eu tinha me convencido disso!) e pedir que torcessem por mim.
A mensagem foi enviada à lista às
1h50. É importante dizer que depois desse momento eu perdi bem a noção do tempo
durante o trabalho de parto, tanto que o relato curto que escrevi está assim,
sem tempo nenhum. Pra este texto usei informações que o Val e a Marília me
deram depois sobre os tempos e mais os registros das ligações no celular, fotos
e dessa mensagem que postei na lista. Na hora você não tem noção de quanto dura
cada coisa, e é bom que seja assim, mas depois que passou achei que seria bom
saber um pouco dos tempos para escrever pra vocês, pois eu quando lia relatos
antes do meu parto, gostava de saber das durações de cada etapa. Assim, vou
tentar colocar aqui como foi, se essa noção é precisa ou não e como me pareceu
na hora, ok?
Bem, após postar a mensagem na
lista, certa de que estava na fase ativa há algum tempo, ainda tentei encontrar
posições para suportar as contrações. Mas a intensidade da dor saltou de novo e
logo o único lugar que eu conseguia ficar era ajoelhada no pé da cama. A cada
contração eu me inclinava pra frente, apoiava na cama (coloquei algumas
almofadas) e tentava esperar ela passar, tentei respirar devagar como havia
treinado com os exercícios da Kátia na yoga, mas não conseguia, quando a dor
vinha era mais forte que minha concentração e eu perdia o fôlego.
Eu estava perdendo um muco
sangrento que ia pingando no chão durante as contrações, por sorte meu piso é
frio e fácil de limpar. As dores pioraram e logo eu precisava gritar. Não
conseguia respirar direito, percebi que meus gritos eram agudos e sofridos (não
aqueles guturais que vemos nos relatos) e sabia que isso não era bom sinal,
percebi que eu começava a entrar num caminho de desespero. Eu não tinha medo da
dor, mas tinha medo de não suportá-la, e nessa hora tive um grande medo de ter
medo.
O Val não conseguia me ajudar,
talvez eu não o estivesse deixando fazer isso, não sei. Mas ele me olhava com
aquele olhar impotente de quem, se pudesse, estaria no meu lugar. Tinha um
pouco de pena nesse olhar e isso não me ajudava. Deve ser difícil mesmo, talvez
mais difícil pra eles que pra nós, pois não podem fazer muita coisa, têm que
deixar rolar, porque o parto é da mulher, por mais que outros apoiem e esse
apoio seja fundamental.
Eu também percebia que precisava
me por nos eixos ou ia perder totalmente o controle, tentei dizer isso pra mim
mesma, tentei me ajudar sozinha, mas estava muito difícil mesmo. Talvez se eu
estivesse realmente sozinha eu tivesse dado um jeito, não sei, mas naquele
momento eu só pensava uma coisa: “Cadê a Marília???” pois sabia que ela ia
conseguir me ajudar. Ainda não tinha passado aquela uma hora de observação do
TP que o Val tinha combinado com as duas, mas é lógico que para mim isso não existia,
não havia tempo, só havia dor, um pouco de medo, e tudo acontecendo muito
rápido, muito mais rápido do que eu conseguia lidar. Virei pra ele e falei
“Chama a Marília agora!”
A CHEGADA DA MARÍLIA E A RETOMADA
DO PARTO
Ele chamou (a mensagem está
registrada às 2h16 da manhã) e ela veio em seguida, mas é lógico, moramos em
São Paulo, não moramos tão perto, tudo demora um pouco. Pra mim, esse pouco
pareceu uma eternidade!
Quando a Marília chegou me
encontrou ajoelhada no pé da cama onde eu estava há um bom tempo. Eu a abracei,
acho que me pendurei nela, precisava muito de ajuda. Ela me observou, disse que
ia contar um pouco as contrações, lembro dela e do Val tentando mexer com
cronômetro e celulares, não parecia muito fácil. Ela se preocupou com meu
joelho (eu não estava nem aí pra ele), sugeriu que eu fosse pra cima da cama,
forramos e tentei a mesma posição apoiando na bola, mas não deu certo.
Ela também percebeu que meu grito
estava agudo, desesperado e me ajudou a me concentrar, a vocalizar melhor, a
encontrar o grito certo, que vinha lá debaixo, mais grave, mais forte, e eu
diria que, em alguns momentos, mais feroz. Foi ela que me pôs nos eixos e esse
momento valeu mais que qualquer outro, que qualquer palavra, que qualquer
massagem aroma ou música. Foi a hora em que ela me ajudou a retomar as rédeas
do meu parto. E assim eu consegui seguir, daqui pra frente ativa e não passiva,
até o nascimento do meu filho.
Em algum momento, quando chegou,
ela também tentou fazer uma massagem nas minhas costas, eu não quis, isso me
irritou um pouco, na verdade. Não sentia nada nas costas! Até então estava
esperando sentir a tal dor na lombar, sentir a barriga contraindo, sentir a dor
que vinha lá de trás e nada. Só aquela dor lancinante no pé da minha barriga,
tão funda que não dava pra alcançar, não dava pra fazer massagem (como eu
queria que a massagem no sacro que vimos nos livros e encontros servisse pra
alguma coisa naquela hora!). A contração não era nada do que eu tinha
imaginado! Falei pra Marília, ela disse que era assim mesmo, que cada mulher
sentia de um jeito. Ela então esquentou a bolsa de sementes que tinha trazido e
eu coloquei na minha barriga. Isso sim foi muito bom, ajudou. Mas as dores
continuavam bem intensas.
A Marília também tentou organizar
o ambiente, por um aroma, pegar as coisas dela, mas estava difícil, pois meus
intervalos entre as contrações eram muito curtos já. Lembro que ela tentou por
algum som, alguma música. Não tenho certeza, mas acho que eu fui meio grossa
nessa hora, não queria barulho nenhum!
É muito engraçado o como a gente
imagina o parto e como ele de fato acontece. Me lembro muito da Betina falando
no consultório (e me quebrando as pernas, abalando minhas convicções): “Pra que
você quer fazer um plano de algo que você não faz ideia de como vai ser?” Não
que eu tenha idealizado demais o parto, nunca fiz roteiros, tentava não
imaginar demais, mas um pouco a gente sempre imagina né?
Bem, tenho umas fotos desse
período com a Marília no quarto que marcam 3h30 da madrugada. (Falei que ia
tentar passar pra vocês os tempos, dentro do possível). Fato é que isso não
demorou muito, logo a Marília sugeriu que fôssemos para o chuveiro. Lá no
chuveiro tentei sentar num banquinho, mas não dava, não conseguia suportar as
contrações sentada e logo me ajoelhei no chão de novo. A Marília querida,
sempre preocupada com o meu bem estar, pegou uma toalha para eu ajoelhar em
cima, para preservar meus joelhos.
O CHUVEIRO, A LAGARTIXA, E UM MAR
DE PENSAMENTOS
O alívio com a água quente foi
imediato. As contrações não diminuíram, mas eu conseguia lidar melhor com elas
agora. Logo eu me assustei com um movimento repentino perto do meu pé: era uma
lagartixa, ela correu pra debaixo do banquinho lá ficou, até o Iuri nascer. Foi
minha companheirinha de trabalho de parto! Aguentou todos os meus gritos. Uma
pena mesmo não a termos fotografado. Gosto muito de lagartixas e ter ela lá do
meu lado só me fazia bem.
Assim, ficamos no chuveiro. Quer
dizer: eu e a lagartixa no chuveiro e a Marília sentada no vaso ao meu lado. O
chuveiro me deu o tempo que eu precisava para aprender a lidar com as
contrações antes delas piorarem. O período que fiquei no chuveiro com a
Marília, antes da Betina chegar, me pareceu o mais longo e intenso de todos.
Foi o momento em que eu pensei mais (várias coisas passaram pela minha cabeça),
que me senti mais ativa e ao mesmo tempo mais exausta.
Durante cada contração eu me
dobrava pra frente (ou pra trás às vezes) e gritava. O grito já era forte,
grave, me ajudava a enfrentar a dor. Quando parava a contração eu me recostava
na parede e descansava, mas parecia que nunca dava pra descansar o suficiente,
eu ficava cada vez mais cansada, me faltava ar, me dava sede. O Val fez um suco
doce pra mim e eu fiquei com a caneca ao meu lado, quando eu queria mais
esticava a caneca para fora do box e a Marília enchia pra mim.
Eu estava de pouquíssimas
palavras, mas pensava muito. Lembro de que me perguntava em que momento eu iria
entrar na “partolândia”. Eu estava esperando aquele estado de consciência
alterado do qual todos os relatos falam, todas as doulas falam, mas parecia que
ele não vinha. Eu achava mesmo que em algum momento eu ia ficar muito louca,
mas fiquei consciente o tempo todo. Hoje pensando no modo como perdi a noção do
tempo (justo eu que sempre acerto os horários sem precisar de relógio) e
observando a minha expressão em algumas fotos e vídeo eu acho que tive sim, de
certa forma, minha passagem pela partolândia, mas foi uma partolândia
extremamente consciente, acho que nunca perdi minha conexão com o presente.
Lembrava da Kátia falando que boa
parte do parto acontece na cabeça da gente e daquela coisa que “mulher cabeçuda
tem parto cabeçudo”, e acho que eu já esperava que meu parto pudesse ser um
pouco assim, porque eu sou um pouco assim também. Lembrava muito da Betina e da
Marília terem me falado da importância da entrega, de se entregar ao processo,
de deixar a natureza agir.
Eu bem que tentei, mas não
conseguia me entregar totalmente. Não no conceito de entrega que eu tenho, que
era de deixar rolar, deixar a dor vir e fazer seu trabalho. Percebi logo que
isso não era pra mim, que eu IA REAGIR de alguma forma, e que se eu não
ajudasse a contração, eu ia acabar atrapalhando sua eficácia. Então, o único
jeito de eu não bloquear aquelas contrações pela dor que me causavam era
trabalhar junto com elas. Foi aí que comecei a mentalizar o colo do meu útero
se abrindo e a cada contração eu dizia mentalmente “Abre, abre, abre, abre” e
era como se eu ajudasse a empurrá-lo, a abri-lo. Isso pode não ter feito
diferença nenhuma no avanço físico do meu trabalho de parto (nunca saberemos),
mas com certeza fez muita diferença na minha cabeça e no modo como eu lidei com
a dor.
Pensei ainda outras coisas nesse
período. Em um momento questionei a mim mesma porque eu estava fazendo aquilo.
Pensei que eu podia simplesmente ter o meu filho no hospital que nem todo mundo
e pronto, pra que passar pelo parto natural? Por um breve momento pareceu tudo
sem sentido, afinal o que eu queria era ser mãe. Mas logo meu racional veio me
lembrar que não era só isso, que eu queria sim passar pela experiência do
parto, que era importante pra mim, que eu havia esperado nove meses pra isso,
pra saber como seria, como eu ia lidar com a experiência, como ela me
transformaria. Eu queria tanto o parto quanto eu queria o filho e ele estava
acontecendo ali, naquele momento, eu estava em casa como eu queria e estava
tudo bem. Eu não podia deixar ele passar. Embora em nenhum momento eu tenha
pensado em pedir anestesia ou em ir para o hospital nessa hora eu quase
desvalorizei o meu parto, mas esse desânimo passou logo e não voltou mais. Me
senti ativa de novo.
Em determinado momento quando eu
estava lidando bem com as contrações elas deram um salto de intensidade de
novo. Ficaram bem mais fortes, e mais longas, com intervalos cada vez mais
curtos. Eu lembro que falei pra Marília: “Está piorando” E ela respondeu: “É
assim mesmo, vai piorar mais, você sabia.” Isso era incrível na Marília, ela
não me dava o que eu queria, me dava o que eu precisava. Seria muito fácil pra
mim em vários momentos cair numa onda de autopiedade. A Marília não tinha pena
de mim e não deixava espaço para que eu também tivesse. Ao contrário, sentia
que ela confiava que eu podia fazer aquilo, ela dizia que eu estava indo bem e
se não dissesse eu saberia, pois sentia isso no modo como me olhava. Ela não
quis diminuir a minha dor, ao contrário ela sabia que aquele era o meu
processo, que eu queria e precisava passar por ele.
Também lembro que em vários
momentos no chuveiro eu tive medo de não conseguir chegar até o final. Eu sou
ansiosa, do tipo que sofre por antecipação. O engraçado é que eu sempre achava
que não ia conseguir dali meia hora, dali uma hora, dali três horas... Em
nenhum momento eu cheguei ao meu limite mesmo e achei que eu não conseguiria
mais. Em nenhum momento pedi pra parar (ou tomar anestesia). Era como se sempre
conseguisse passar aquela contração, mas se me perguntassem não poderia
garantir as próximas. Hoje penso que é uma coisa a ser trabalhada por quem quer
parir: lembrar de passar uma contração por vez, sem pensar muito nas próximas
horas. Assim, uma por vez, quando a gente vê já está no expulsivo.
Esse meu receio de não aguentar
até o final tem relação com o fato de que por mais que eu tivesse perdido a
noção do tempo, não a havia perdido tanto assim. Se eu fiquei, entre entrar no
chuveiro e a Betina chegar cerca de 1h30 (pelo que a Marília me falou depois)
eu até achava que tinham sido umas 3 horas, mas sabia que não eram 8. Assim,
sabendo que não tinham passado muitas horas, e sem conhecer meu limite de dor,
meu medo era de que por mais intenso que tudo parecesse, eu ainda estivesse no
começo, mas não foi isso que aconteceu.
Eu fiquei extremamente cansada,
chegou um momento que eu torcia para que viesse um intervalo maiorzinho, de uns
5 minutos, pra que eu pudesse descansar. Os intervalos já eram tão curtos que
eu nem podia mudar muito a posição para o descanso, ou não voltava a tempo para
a posição da contração. Eu costumava sentar no chão nos intervalos (sair de
cima dos joelhos). Teve uma vez que, exausta, deitei metade do corpo para fora
do Box e acho que até cochilei. O problema é que não voltei a tempo para a
posição de joelhos e quando a contração seguinte veio foi dificílimo
suportá-la, o que me fez desistir totalmente de deitar nos intervalos.
As contrações continuaram a se
intensificar. Até que eu comecei a não ficar bem apenas ajoelhada, tinha que
ficar de quatro. Às vezes até abaixava um pouco a cabeça e levantava o quadril.
Nessa hora eu já estava “vendo estrelas” de tanta dor, tive vontade de bater
com a cabeça na parede, mas não bati, apenas apoiava a cabeça no canto da
parede e empurrava com força enquanto continuava a imaginar meu colo se
abrindo. Tenho a impressão que nessa fase meu grito ficou mais feroz e menos
cantado. Como a Marília diz, eu estava ficando “bem brava”. Em uma das dores
mais intensas estendi minha mão pra fora do box procurando um apoio, a Marília a
pegou na hora e acho que apertei bem a mão dela.
Chegou um momento no qual a
Marília me perguntou se eu estava com vontade de fazer força. Eu não estava,
mas gostei de ouvir a pergunta. Ela queria dizer que alguma coisa na minha
reação indicava que eu poderia estar perto do final. Perguntei quando
poderíamos usar a banheira, ela disse que era melhor esperarmos a Betina chegar,
pois ela me examinaria. Não é bom entrar na banheira muito cedo, pois pode
atrapalhar o andamento do trabalho de parto.
A BETINA CHEGOU! E EU PARINDO...
Um tempo depois ela me avisa que
a Betina tinha chegado. Lembro direitinho da chegada dela, lembro de ouvir o
Uther, nosso cachorro, latindo o que queria dizer que ela estava vindo pelo
quintal. Lembro de ouvir o barulho dela entrando em casa e passando pelo
corredor ao lado do banheiro, até entrar. Acho que eu esperava que ela entrasse
e viesse correndo me ver, me abraçar, sei lá, afinal era eu que estava de
quatro no chão do banheiro morrendo de dor. Ao invés disso ela entra na maior
calma do mundo, a vejo abraçando a Marília e trocando poucas palavras com ela (e
eu lá, de quatro) e depois vem em minha direção, me olha sorrindo com a maior
tranquilidade do mundo e diz: “E aí? Tá parindo?”
Na hora isso me pareceu tão banal,
tão pouca coisa. Puxa, eu estava passando tudo aquilo, pra mim era muita coisa!
Eu não gostei muito de ouvir assim, tão simples, tão natural, tão de todo dia –
lembrem-se: eu tava um bocado brava e muito cansada.
Essa primeira frase nunca me saiu
da cabeça, e não sei se foram as dores que me faziam achar tudo muito feio ou
os hormônios do parto que me fizeram achar tudo muito lindo, mas no dia
seguinte já a achava uma pergunta linda, um jeito lindo de se cumprimentar
alguém.
Ora, o parto é mesmo uma coisa
natural e cotidiana na história da humanidade. As mulheres fazem isso há
milênios. O fato de aquela estar sendo pra mim a experiência mais forte já
vivida não significava que não fosse simples e natural. Eu estava bem, estava
tudo bem, era apenas um trabalho de parto, eu apenas estava sentindo a dor
comum do trabalho de parto. Não tinha motivo algum pra ela, como médica, vir
correndo me acudir. Acudir do que afinal? Não havia doença nem emergência
nenhuma. Assim, de novo, foi me dado não
o que eu queria, mas o que eu precisava. Não precisava de pena nem de socorro.
Eu não era vítima, era apenas uma mulher parindo, e aquelas duas mulheres lindas
que estavam ali comigo sabiam e acreditavam nisso, acreditavam muito no
processo e acreditaram em mim.
As contrações não me deram muito
tempo para pensar, logo veio mais uma. Me preparei e fomos (eu e a contração)
praquele lugar no universo paralelo das contrações. Confesso que nessa primeira
contração que eu tive logo que a Betina chegou eu senti vergonha de gritar
daquele jeito na frente dela (com a Marília eu já tinha acostumado, foi ela que
me ensinou a gritar), mas a vergonha passou rapidinho, afinal eu tinha que
fazer isso, e sabia que ela estava acostumada.
Ela me examinou, não lembro o que
foi primeiro, o exame de toque ou os batimentos cardíacos do bebê. Terminado o
exame de toque eu me acerto de novo e pergunto pra Betina: “E aí? Como está???”
EU SABIA QUE ELA NÃO IA DIZER. “Como está? Tá ótimo!”. Alguns segundos e eu
tentando decifrar a frase, a expressão no rosto dela, qualquer coisa! Afff! Aí
a Marília pergunta: “Já podemos montar a banheira?” e ouço a Betina responder
algo do tipo: “Nem monta, que não vai dar tempo.” Aha! Enfim uma informação
palpável! Não vai dar tempo! Quer dizer que estávamos adiantados! Ele ia nascer
logo! Foi a melhor coisa que ouvi naquela noite, por mais que eu quisesse usar
aquela banheira!
Nesse meio de conversa também
tenho a impressão de ter ouvido a Betina falar alguma coisa sobre “rebordo de
colo” mas é tudo meio nebuloso, posso ter sonhado. Depois a Marília e o Val
disseram que já durante o exame ela disse que o bebê já estava embaixo. Mas eu
não tinha ouvido nada.
A Betina pediu ajuda do Val para
tirar as coisas do carro e eu comentei com a Marília que minha vagina estava
ardendo. Ela respondeu que era assim mesmo e que eu me preparasse, pois a
próxima contração deveria ser bem mais dolorida, por causa do exame de toque.
Eu estava tão feliz! Pensei “Pode deixar, ela pode vir!” Me preparei e, como a
estava esperando, monstruosa, ela nem foi tão ruim assim.
Eles demoraram um pouco pra
voltar. Só depois vi que a Betina traz uma batelada de coisa, tubo de oxigênio
e o escambau, mas na hora não vi nada, ainda bem. Enquanto isso as contrações
ficavam mais fortes e um pouco diferentes. Eu estava de quatro. Não sentia
vontade de fazer força, mas já sentia uma certa pressão sobre o reto.
Pelo que a Marília me falou
depois, a Betina chegou em casa por volta das 5h, pela impressão do Val foi
antes, mas ele não tem certeza de nada. Lá pelas 5h30 ela ouviu os batimentos
cardíacos do bebê mais uma vez. Eu estava de quatro olhando para fora e lembro
da Betina perguntando se eu ficasse com a bunda virada pro outro lado, quem
iria pegar o bebê? Foi outra coisa gostosa de ouvir! “Meu bebê estava chegando!
Opa! Vamos lá! Como eu tenho que ficar?” Eu pensei. Ela sugeriu que tentássemos
a banqueta de cócoras e lá fui eu sentar no banquinho vazado debaixo do
chuveiro.
O EXPULSIVO
A Betina sentou-se na toalha que estava
no chão na minha frente. Senti meu ânimo mudando. De repente me sentia
totalmente acordada, mais disposta e corajosa. As contrações ficaram
diferentes, eram bem fortes, mas era muito mais força que dor e o espaço entre
elas aumentou tanto (ou foi a minha disposição que aumentou) que eu cheguei a pensar:
“Cadê a próxima contração? Não vem nunca?”
A banqueta no começo pareceu meio
incômoda, durante as contrações não tinha onde apoiar direito e assim, quando
veio uma das bem fortes estendi minhas duas mãos pra frente, na procura por
mãos que me dessem força. Encontrei as mãos da Betina, que senti meio
surpresas, meio sem jeito, por terem sido requisitadas tão repentinamente
assim. Mesmo assim apertei com força, e foi essencial tê-las encontrado ali.
Na hora achei que tinha apertado
forte demais, já que logo em seguida a Betina sugeriu que o Val entrasse no
chuveiro e se sentasse atrás de mim para me apoiar e me dar as mãos. “Puxa,
acho que a Betina não gostou mesmo de segurar minhas mãos, rapidinho ela
arrumou um substituto!” pensou a louca em pleno expulsivo. Mas depois pensei:
“É lógico sua imbecil! Ela é a obstetra, e se ela estivesse com as mãos
ocupadas segurando as minhas quem é que ia pegar o bebê?”
O Val pegou o banquinho que tinha
servido de mesa pro meu suco e abrigo pra nossa amiga lagartixa (que continuava
lá) e sentou-se atrás de mim. Ficamos bem juntinhos, eu no meio das suas pernas
segurando nas suas mãos. Eu concentrada no meu trabalho e ele conectado a mim. A
Betina me examinou de novo e falou pra eu colocar a mão que poderia sentir o bebê.
Coloquei a mão e, menos de um dedo pra dentro da minha vagina senti algo.
“Sentiu?” A Betina perguntou. “Senti uma coisa redonda.” Eu disse, meio sem
querer acreditar. “É a cabeça dele!” disse a Betina. Eu sorri, o Val sorriu,
parecia que o mundo estava sorrindo. Faltava pouco, tínhamos um trabalho a
terminar.
Eu sabia que só acabaria quando
terminasse, que muita gente trava no expulsivo, que ainda não estava feito.
Entretanto, apesar desses pensamentos não me deixarem achar que o jogo estava
ganho, eu estava bem otimista. Perceber que ela ouvia o coraçãozinho dele cada
vez mais pra baixo no meu ventre também me animava e tudo ia bem.
Foram várias contrações com o Val
atrás de mim. Ele reclamou de uma goteira de água fria e eu pensei “Não
acredito que, tudo isso acontecendo, todas essas contrações, e ele reclamando
de uns pinguinhos gelados!” Eu ainda estava brava, mas acho que não disse nada,
era como se tivesse que guardar energia para o meu trabalho, o meu parto.
Em algum momento o próprio
chuveiro me irritou, pois eu tinha que desviar dele ou ia beber água durante as
contrações. Mudamos para o chuveirinho e a Betina ficou molhando minha barriga,
minhas pernas, nos mantendo aquecidos.
EMPURRAR OU DEIXAR ROLAR?
Não sei como é para as outras
mulheres, mas para mim as contrações do período expulsivo foram muito menos
doloridas que as do período de dilatação. Entre uma e outra perguntei pra
Betina o que deveria fazer. Ela respondeu: “Olha, você pode fazer duas coisas:
você pode não fazer nada, só deixar ele vir, ou você pode fazer força” Falei
que achava que não conseguiria não fazer nada, era como na fase ativa, não
conseguiria simplesmente me entregar, sentia que se não ajudasse ativamente meu
corpo, ia me contrair e atrapalhar seu trabalho. Ela disse que tudo bem, que
pra algumas mulheres funciona mais fazer força, podia ser assim comigo. E lá
fui eu, empurrando a cada contração. Não senti o bebê descendo pelo canal como
imaginei que sentiria, mas o fato foi que ele desceu, e bem!
Quando vi lá estava a Betina com
um espelhinho. Era pra gente olhar o Iuri chegando. No começo eu não conseguia
ver nada, o ângulo ruim, e eu não conseguia olhar durante a contração, estava
concentrada ainda em suportar a dor e fazer o meu menino descer. Como nessa
etapa ele desce um pouco e sobe um pouquinho depois, quando eu conseguia olhar
ele tinha subido de novo.
Eu comecei a ficar ansiosa com
esse vai e vem. Uma hora ele apareceu um pouquinho e sumiu. Emoção, decepção,
alegria, cansaço, medo de não conseguir, tudo ao mesmo tempo. Minha irmã havia
me contado (mais de uma vez) de uma mulher cujo bebê coroou e voltou e ela não
conseguiu parir. É lógico que me lembrei disso. Por que as pessoas adoram
contar histórias de partos que deram errado? Alguém me responde? Aí quando ele finalmente
começou a sair, meu receio era de que ele voltasse. Está até no vídeo, eu
perguntando se ele ia voltar.
O CÍRCULO DE FOGO E DOIS PLOFTS
Quando ele apontou de vez senti
tudo esticando, tudo ardendo, e lembrei do epi-no. Ah então era assim o tal círculo
de fogo? Nome bem apropriado! A Betina sugeriu que eu fosse devagar, pra
proteger o períneo, não consegui. Quando achei que não tinha mais pra onde
esticar, esticou mais e esticou mais ainda. Não conseguia ir devagar, pensei
“Vai lacerar!” “Que se dane, quero que nasça!” Estava com medo que ele
voltasse, estava cansada, não queria passar por mais nenhuma contração, ao
contrário das contrações anteriores, nessa consegui emendar várias forças, veio
um fôlego não sei da onde e “ploft”, a cabecinha saiu! Iuri saiu olhando pra
trás “como manda o figurino” e logo ele girou.
Eu pensava que teria que esperar
outra contração para sair os ombros, mas a Betina me incentivou e logo veio
mais um “ploft”, saíram os ombros e eu logo busquei meu filho das mãos da Betina,
trazendo-o pra mim. Lembro perfeitamente da sensação de tocar sua pele, tão
lisa, deslizante, cheia de vérnix. Quando o puxo pra mim percebo que alguma
coisa o segura, a Betina ainda tentava desenroscar da perninha dele o cordão
enquanto eu, afoita, o puxava. Quando percebi colaborei e ele logo estava nos
meus braços, no meu peito, inteirinho, pertinho, olhos abertos, uma pessoinha
que tinha acabado de sair de mim! Eu só tinha olhos pra ele. O Val nos abraçava
e chorava. A lagartixa continuava lá, após ter presenciado a cena mais linda do
mundo. Ao menos do meu mundo.
Escuto a Marília falando algo do
tipo: “Ah e o parto da Paula foi tão fácil, né Betina?” Minha parcela de fúria
ainda não tinha sido totalmente suplantada pelo êxtase que estava sentindo e se
manifestou uma última vez. Pensei: “Fácil? Como assim fácil? Não foi nem um
pouco fácil pra mim!” Mas não disse nada, estava muito ocupada olhando meus
olhinhos preferidos. Só dias depois contei pra ela desse meu pensamento.
Iuri veio ao mundo às 6h10, junto
com o amanhecer que, por algum mistério do mundo, é uma das minhas três
palavras favoritas. Assistindo ao vídeo do Iuri nascendo vi que o cordão que a
Betina desenroscava da sua perna estava no seu pescoço e que ela foi
desenroscando enquanto ele nascia. Vi também, com alegria, algo que não
lembrava com tanta nitidez: sabia que o tinha pego logo, mas não que quando o
peguei metade do seu corpinho ainda estava dentro de mim. Foi tão lindo! É
incrível pensar que se a Betina não estivesse ali, ele não ia cair no chão,
pois eu o teria puxado.
UM DEPOIS LINDO E TRANQUILO
Depois de parar de gritar feito
uma louca pela emoção que estava sentindo perguntei se ele estava bem (mas eu
sentia que estava) e enquanto elas respondiam que ele estava ótimo ele chorou.
Elas foram arrumar a cama e nos deixaram lá, os três, nós dois namorando nosso
filhinho no meu peito.
Depois a Betina volta e vemos se
o cordão parou de pulsar para cortá-lo. Ela pede fio dental, pega o que está na
pia, mas ao puxá-lo percebe que acabou. Pergunta se tem mais. Lembro que na
minha necessaire que estava na mala da maternidade (Ufa, não precisamos mesmo
usar! Que delícia desfazê-la!) tem um. Ela amarra o cordão com o fio dental e
oferece o bisturi pro Val cortar o cordão. Ele o faz, separando pra sempre meu
bebê de mim. Agora ele já era do mundo, e só me restava amá-lo.
Algumas fotos depois com meu
bebezinho nos braços a Betina o leva para o quarto para colocar a fraldinha e
ensina o Val a usar o cueiro. Voltando, ela e dá uma puxadinha no cordão e a
placenta sai, inteirinha. Senti que já estava solta, só escorregou pra fora de
mim. Olho pra ela curiosa no canto do box, “Ah, então é assim...”. Bem, saída a
placenta e o bebê, eu não aguentava mais ficar naquela banqueta. Queria
levantar logo, mas minhas pernas estavam um pouco bambas ainda, e esperei
alguém vir pra me ajudar. Levanto e tomo um bom banho, lavo o meu cabelo, mas
não me demoro, pois quero pegar meu bebê de novo.
Minha lembrança da Betina ao meu
lado nessas horinhas após o parto são de grande ternura. Me senti muito
cuidada, mais nessa hora até que durante o parto, não sei se porque tínhamos
mais tempo, se porque meu trabalho estava feito e eu pensava com mais clareza,
ou se porque já tinha passado minha braveza. A Betina me ajudou com o banho, me
ajudou a me secar, me ajudou com aqueles absorventes gigantes do pós-parto, a
enrolar a toalha no cabelo e ir até o quarto, onde a cama já estava arrumada
esperando por mim.
Lá ela me examinou e constatou
que eu realmente não tinha tido laceração nenhuma no períneo. Lembro com
carinho das duas ao meu lado na cama, o Iuri no meu colo e elas ensinando sobre
a amamentação. Não conseguimos porque o pequeno estava de fato sem fome
nenhuma, mas aqueles momentos ali, com o meu serzinho no peito, entre essas
duas mulheres incríveis foram de uma plenitude sem tamanho. Pra deixar tudo
mais maravilhoso ainda o Val chega e nos traz pão de queijo fresquinho, que ele
tinha acabado de buscar na padaria.
É, eu estava com uma fome de
leoa, a Marília até me ofereceu uma barrinha, (linda, sempre preocupada com meu
bem estar) mas dava pra esperar o Val voltar com o café. Levanto pra me vestir
e todos querem me ajudar em tudo: “Onde está a calcinha? E a roupa?” “Quer que
traga o café aqui?” Me senti presenteada com tanto carinho, mas eu me sentia
ótima e fiz questão de ir até a cozinha tomar café junto com todo mundo, na
mesa, comemorando a chegada do nosso Iuri.
Conversamos e comemos felizes,
bebê no colo, toda a disposição do mundo! Que noite incrível! Que pessoas
incríveis! Que experiência maravilhosa! Acho que queria que elas não fossem
embora nunca mais... Tiramos fotos. Grande time: eu, nosso Iuri, Val, Marília e
Betina.
Fomos (agora em três) levá-las
até o portão. Ainda lembro da Betina comentando que nem toda mulher, depois de
parir, leva a equipe até a porta. Mas eu estava tão feliz, tão disposta, tão
pronta pra tudo! Queria andar com meu bebê.
E assim elas foram embora e acho
que nem as abracei direito nesse dia. Ao me despedir, olhei de relance o monte
de tralhas médicas que não usamos. Obrigada Universo por ter me dado o parto
que eu poderia cumprir e pessoas que permitiram que eu o fizesse!
OBS: Em casa bem mais tarde
depois de ter descansado pergunto ao Val: “Onde estão os panos de chão que
usamos no parto? Precisa lavar”. E ele: “Já tá tudo lavado secando no varal.” E
eu: “Nossa, você fez tudo isso já? Como você é eficiente!” e ele: “Eu não, foi
aquela faxineira cara que você arrumou, a Dona Betina.”
AGRADECIMENTOS
Tornam-se especiais na nossa vida
pessoas que nos fazem crescer, ou participam desses momentos. Nessa minha
trajetória em busca de um parto uma maternidade melhores me tornei mais mulher,
mais segura, mais dona do meu corpo e de minhas escolhas, consegui abrir mão de
planejar todas as horas do meu dia e aprendi a aceitar que não controlamos
muita coisa nessa vida. Aprendi muito sobre um monte de coisas e mais ainda
sobre mim mesma. O parto foi o ápice
desta transformação, deste crescimento e só tenho a agradecer a quem participou
disso:
Meu amor, companheiro e amigo Val
que chorou quando eu, depois de tantos anos juntos, contei a ele que desejava
ser mãe. Que me engravidou (essa parte é muito importante!). Que encarou todo o
caminho comigo, pesquisando informações e respeitando minhas escolhas. Que
aguentou minhas inúmeras mudanças de humor entre a gestação e o pós-parto, e
que, acima de tudo, me amou e amou nosso filho desde que as duas listinhas
apareceram no teste de farmácia.
Ao meu filho Iuri que, apesar das
minhas inseguranças durante a gestação, sempre fez a parte dele direitinho
virando, descendo e encaixando, me dando mais e mais força para que eu também
fizesse a minha parte, fazendo nosso parto mais lindo e muito mais fácil do que
eu esperava. Obrigada também por permitir-me ser sua mãe e me inundar de um amor
tão grande.
À querida Kátia, muito mais que
instrutora de yoga, que cuidou de mim com tanto carinho durante toda a
gestação, que me ensinou a respirar, a me indagar, a pesquisar mais, que cuidou
do meu corpo e ouviu meus medos. Que me olhava com compreensão, ternura e força
e que me abriu as portas de um mundo especial do qual não quero mais sair.
À querida Marília, amiga sumida
de tanto tempo, que reaparece na forma mais especial que uma gestante pode
encontrar: a de doula. Obrigada por questionar e se indignar comigo, por me ver
de um jeito que eu acho que eu não tinha me visto, por estar presente nos
momentos em que me permiti chorar (na gestação) e gritar (durante o trabalho de
parto). Por me colocar nos eixos na hora da dor e permitir que eu retomasse as
rédeas do meu parto. Por acreditar em mim e não me deixar sentir pena de mim
mesma. Pela firmeza e doçura com que cuidou de mim todo o tempo.
À Betina, médica querida e
especial, que me olhava com aquele olhar impenetrável durante as consultas,
esperando que eu falasse, e eu sempre demorava a falar, não sei porque. Que,
nessas mesmas consultas, mexeu com as minhas convicções sobre o parto e que
mais de uma vez me fez sair de lá pensando sobre mim mesma. Que permitiu que eu
parisse meu filho em casa, como eu queria, quando vários outros já abandonaram
o parto domiciliar. Por toda a simplicidade, ternura e humildade com que faz
seu trabalho, sendo a médica que senta no chão, segura na mão da gente, ajuda
com o banho, arruma a bagunça e não se importa se não vai mostrar nada dos seus
conhecimentos médicos naquele dia, simplesmente porque o parto fluiu bem, sem
emergência nenhuma, como fluiu o nosso.
Quanto mais eu penso mais eu admiro
essas pessoas e agradeço por tê-las encontrado. Obrigada!
Texto iniciado dia 9/11 (dois dias após o parto) e terminado
dia 7/12. Em ambos os dias estava acordada na mesma hora do nascimento,
emocionada pela lembrança. A mesma coisa aconteceu e acontece ainda em outros
dias, por vezes com lágrimas. Daquela noite incrível trago ainda no meu corpo uma
bacia que estala e um joelho resecado pelas horas que passei ajoelhada, além de
um menino lindo que ilumina minha vida todos os dias.
Para quem se interessar seguem os
outros links:
Relato Rápido Parto Iuri - http://quadrantedelta.blogspot.com.br/2012/12/relato-rapido-parto-iuri-fresco-de.html
Relato do pós parto – Os sentimentos de uma puérpera - http://quadrantedelta.blogspot.com.br/2012/11/amor-liquido.html